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À BEIRA DO RIO CEIRA

Blogue iniciado pela autora, Clarisse Barata Sanches, a exímia poetisa de Góis, falecida a 25 de dezembro de 2018. Que permaneça intacto em sua homenagem.

À BEIRA DO RIO CEIRA

Blogue iniciado pela autora, Clarisse Barata Sanches, a exímia poetisa de Góis, falecida a 25 de dezembro de 2018. Que permaneça intacto em sua homenagem.

DRAMA EM COIMBRA

06.01.10, canticosdabeira

"JOVEM SUBMETIDA A UMA "OPERAÇÃO FÁCIL"

ENTRA EM COMA E MORRE NO FIM DE 3 MESES

 

CÉLIA FALA AO DIÁRIO POPULAR 

                                    

  

"Sei que só o resultado irá possibilitar que se conheçam definitivamente, as causas da morte da minha filha, não aquelas que acabaram por ser as causas próximas, mas as outras que a levaram a sair já em coma do bloco operatório da Clínica de Santa Filomena, em Coimbra. Ninguém me tira da cabeça que a mataram, por erro ou descuido, mataram-na, foi o que foi!"

Estas, as primeiras palavras que Augusto Sanches proferiu para o jornalista quando na sua residência em Góis, se dispôs a abrir o "dossier" da morte de sua filha, Graça Maria da Cunha Sanches, ocorrida no Pavilhão de Neurologia dos H.U. de Coimbra, em Celas, exactamente três meses depois de ter sido operada na Clínica de Santa Filomena, a uma luxação recidivante do ombro direito, intervenção considerada fácil, mas da qual a Graça Maria nunca mais viria a recuperar do estado comatoso em que caiu.  

É difícil para o jornalista descrever o ambiente que encontrou. A revolta contem-se à custa do cerrar de dentes. As palavras saem misturadas com suspiros profundos que ecoam numa casa onde o zumbir da mosca se sente sem esforço auditivo. Ao recordar os passos dados ao longo de três meses, recordam-se as palavras de esperança - consideradas com "doce mentira" por alguns mais conhecedores da situação real - que conseguiram, embora temporariamente, aliviar o desespero que si ia instalando no espírito dos familiares mais directos. Tais palavras preencheram a expectativa de aparentes melhoras, para, depois, ser maior a desilusão ante um estado cada vez mais degradado.

Foram três meses de penoso sofrimento, galgando dia a dia, pela estrada aos "esses" da serra, cento e tal quilómetros, para estar meia hora perante um corpo que só a espaços parecia reagir a qualquer estímulo, em luta brava, resistente ao dia a dia mais próximo.

Augusto Sanches cerra os punhos. Vai dizendo, de si para si, que "a justiça devia ter sido feita pelas suas mãos", que... "naquele fim de tarde em que, pela única vez, encontrou em Neurologia o Dr. Pacheco Mendes, foi preciso agarrarem-no, para que nada mais grave acontecesse". Repete palavras, frases, ideias. Um rosário longo que se torna difícil captar. o olhar fixo passa além da janela e perde-se, no pinhal fronteiro. Há momentos de silêncio absoluto, cortadas bruscamente por uma frase dita em tom desabrido.

Como esta:

"Se não me agarram... nem sei. Mas o dr. Pacheco Mendes abraçou-se a mim, a chorar, e voltou a dizer que, da parte dele, tudo tinha corrido lindamente. Eu sei que não foi ele, que nada se passou por culpa dele, mas...ele foi o cirurgião escolhido, o chefe da equipa, e é a ele que tenho de pedir responsabilidades."

 

Uma queda, em Tomar, há seis anos.

 

A luxação não aconteceu agora. Foi o princípio da meada que viria a lançar toda uma família no luto profundo.Tem a palavra o pai:

"Há seis anos, durante uma viagem a Santarém, já de regresso, a minha filha deu uma queda a dar uns saltinhos nuns pequenos degraus. No Hospital de Tomar, segundo apurámos mais tarde, o braço ficou mal ligado e, como consequência verificou-se o deslocamento fácil desse braço, em especial nos movimentos para trás.

"Durante muito tempo - prossegue - andámos hesitantes entre a operação ou a manutenção do braço assim. Mas minha filha foi aconselhada, pelos Dr. Pacheco Mendes e Prof Norberto Canha a ser operada. Devo dizer que vários médicos emitiram a opinião de que tal intervenção era fácil, chegando mesmo o Prof. Noberto Canha a assegurar que ela ficaria bem a 95%. Tomou-se a decisão da operação e foi a minha filha a decidir qual seria o operador. Optou pelo Dr. Pacheco Mendes por, no dizer dela, "ser mais simpático". Foi, então, marcada a operação para o dia 7 de Novembro de 1984, na Clínica de Santa Filomena. Como aquilo era "fácil", e segundo nos disseram vários médicos - e como a irmã trabalhava e vivia em Coimbra, só esta lá estava no ínicio da operação, vendo a Graça Maria entrar na sala de operações e, depois, quando foi transportada para o quarto. Só no dia seguinte é que fui alertado para uma situação estranha."

 

"Só faltou uma máquina fotográfica"

 

Ainda que só o acordar de todo o drama vivido lhe faça estampar no rosto a dor que lhe mina o espírito, Célia Sanches não hesita em contar ao "DP" os factos vividos desde a primeira hora:

"Quando minha irmã chegou ao quarto, depois da operação perguntei ao dr. Pacheco Mendes se tudo tinha corrido bem. Respondeu-me que sim, que só tinha faltado uma máquina fotográfica para documentar todo o trabalho feito. Lógico que, sendo tudo fácil, perguntei se poderia falar com a Graça Maria, mas aí, foi-me respondido que ela estava em sono profundo e só iria acordar por volta da meia noite, isto é, sete horas depois de ter chegado ao quarto da Clínica, após a intervenção.

"Sinceramente, considerei normal esta situação e também não desconfiei quando me mandaram embora, descansadamente, já que não tinha havido qualquer problema. Dirigi-me a casa para buscar a roupa de que necessitava a fim de poder passar a noite no quarto, ao lado de minha irmã. Quando regressei soube que continuava a dormir profundamente. Voltei a sair para comprar umas rosas e uns bolos e, ao voltar à Clínica, antes de subir para o quarto, parei junto à telefonista e ouvi uma enfermeira, um tanto aflitivamente, à procura de outra colega que quisesse ficar de vegília a uma doente que estava mal e cujos pais irresponsavelmente, a tinham deixado sozinha. Ainda sem me aperceber de que era de minha irmã que falava, perguntei se podia fazer uma chamada. Quase intuitivamente perguntei se a doente que estava mal era nova e se fora operada nessa tarde. Responderam-me que sim, não sabendo que eu era sua irmã. Fui logo direita ao quarto, onde já estavam vários médicos a observá-la. Quis falar com minha irmã e foi então que me disseram que não valia a pena tal tentativa pois Graça estava em coma.

"Os médicos perguntaram-me se ela sofria de ataques epiléticos, ao que respondi negativamente. Estranharam e disseram-me que esta situação era causa directa de um ataque desses, mas que tudo normalizaria e, se não recuperasse, iria para a reanimação.

Dos médicos presentes, um era o Dr. Pacheco Mendes, outro o Dr. Frias e o terceiro não o conheço. Mas não era o anestesista, não. Esse mal o vi. Entretanto soube que fora chamado um neurocirurgião, aparecendo depois, o dr. Silvino que, após breves minutos dentro do quarto, em diálogo com outros médicos, me perguntou se, na verdade, a minha irmã nunca sofrera de ataques epiléticos. Como lhe respondesse negativamente, voltou para dentro do quarto. Minutos depois saiu e disse-me que tudo aquilo tinha sido uma complicação no pós-operatório, mas que, de manhã, a Graça Maria estaria bem.

"Aguardei a noite inteira por essa recuperação. Cheguei a pensar que ia acontecer, pois vomitou e mexeu-se várias vezes, embora não falasse, não abrisse os olhos nem reagisse a qualquer estímulo".

 

"Nada de grave, estejam tranquilos!

 

Difícil travar a narrativa. Os factos estão vivos na memória de Célia, para dispensarem compassos de espera, para reorganização das ideias. Daí o registar quase ininterrupto da rememoração em caudal.

"Como não gostei da situação, telefonei ao meu irmão e, mais tarde, apareceram os meus pais.  Quando dr. Silvino voltou à Clínica, já o meu pai lá estava. Tal como o fizera a mim, também disse ao meu pai que nada de grave se estava a passar. Uns escassos dias seriam suficientes para a recuperação de minha irmã. Foi com essa esperança que a Graça esteve cinco dias na Clínica de Santa Filomena, sempre no mesmo estado.

"Entretanto, vinte e quatro horas depois da operação, uma prima nossa que é médica, sugeriu que a minha irmã deveria ir para a reanimação, embora o dr. Silvino teimasse que tal não era necessário. Para confirmar, o neurologista trouxe uma médica novita, creio que sua colaboradora, a qual também disse que a Graça não precisava de ir para a reanimação. Pediu-se a opinião de outro neurologista e sugeriram-se vários nomes. O Dr. Pacheco Mendes sugeriu o dr. Ketting como o melhor, para uma observação neurológica. Ele lá foi. Porém, quando o dr. Silvino soube disse logo que os seus serviços já não eram necessários. E, também o dr. Ketting achou que o caso não era para preocupar muito, pois tudo acabaria por passar. Ainda a nosso pedido, foi-lhe feito um TAC, cujo resultado foi edema cerebral."

"Posteriormente, o dr. Pacheco Mendes informou-me que a minha irmã tivera uma hipotensão. Três meses depois, sem que tenha saído do estado mais ou menos vegetativo, a minha irmã morreu!"

 

Falta de assistência impõe transferência

 

Augusto Sanches, o pai, retoma a narrativa. Diz-nos que a transferência da Clínica de Santa Filomena para o Bloco de neurologia, de Celas, os meus passos a caminho de Coimbra foram diários. Sempre na tal esperança de, tarde ou cedo, poder levar a Graça Maria para a sua casa de Góis. Eis as suas palavras:

"Dado que a assistência, na Clínica de Santa Filomena, era nula, pensou-se em transferir a minha filha para o bloco de neurologia, em Celas. Assim foi. Devo dizer que, até hoje, a Casa de Saúde ainda não me apresentou qualquer conta e o dr. Pacheco Mendes disse-me que não tinha coragem para levar fosse que dinheiro fosse pela operação.

"Em Celas - prossegue Augusto Sanches - todos os médicos com quem falei foram unânimes na opinião expressa: só um milagre. Apenas o dr. Ketting me dizia que ainda não tinha "queimado os últimos cartuchos" e que, "neurologicamente, estava melhor".

As complicações surgidas é que estavam a agravar toda uma situação e poderiam ser fatais.

"É como lhe digo: penso que mataram a minha filha. Embora tivesse fé, a verdade é que as melhoras que eu desejava, não apareceram. Ela, coitadinha, sofreu muito. Até mesmo em Neurologia esteve uma quantidade de dias com os maxilares deslocados".

Faz uma pausa e acrescenta:

"Olhe: o anestesista nunca mais o vi. Depois da operação, creio que só lá foi uma vez para a entubar. Ele sabe bem o que aconteceu. O dr. Pacheco Mendes só o encontrei uma vez em Celas. Duas enfermeiras de Neurologia (tenho os nomes, mas não interessa divulgá-los) disseram à minha filha que ele Dr. Pacheco Mendes, nunca lá ia. Melhor: só lá foi para tirar os pontos.

"Agora só me resta aguardar pelo resultado da autópsia para fazer a participação judicial contra o cirurgião. Não sei se foi ele ou não, o culpado de tudo isto. Mas, perante mim, é o responsável. É verdade que ele me disse tudo ter corrido bem, da sua parte. Terá, então de dizer onde correu mal.

"Se divulgo, publicamente este caso - disse-nos Augusto Sanches, é com a intenção de prevenir outras situações idênticas, no futuro. Por isso aceitei que a minha filha fosse autopsiada, para que os elementos recolhidos sejam irrefutáveis.

Sabe, não tenho conhecimentos para avaliar o que se passou, mas que foi algo de muito anormal, lá isso foi. Afinal, levei-a quase de perfeita saúde, para uma operação fácil e trouxe-a morta!"

De facto, algo de muito anormal se terá passado. O processo está prestes às portas da justiça. Porém, nada compensará o sofrimento, vivido ao longo de três meses. E nada poderá dar vida a uma jovem de 23 anos que, justificadamente, quis ser operada para poder movimentar o braço direito à vontade. Que cousas o infeliz desfecho? A autópsia o dirá.

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Dr. Pacheco Mendes ao "DP"

É A PRIMEIRA VEZ QUE ME ACONTECE UMA COISA DESTAS

 

O dr. Pacheco Mendes, chefe da equipa que realizou a intervenção cirúrgica, não se escusou ao diálogo que lhe solicitámos naturalmente para recolhermos a sua opinião sobre o que se passara durante a operação e que terá sido a causa primeira da morte da Graça Maria.

"Sinceramente, nada fazia prever isto. Todas as doentes, antes de ser decidida a intervenção, são objecto de um estudo, submetendo-se a exames que nos permitam concluir o grau de risco existente nessa mesma intervenção. Só depois disto é que se processam as análises de rotina.

A intervenção que foi feita à Graça Maria, não sendo uma intervenção de rotina, não era difícil e há conhecimento e condições para a fazer rapidamente. No fundo, era redizir uma luxação recidivante do ombro direito. Uma operação normal, sem problemas. Um dos meus assistentes até disse, no final da intervenção, que tinha sido uma operação de livro".

Verdade que, a determinada altura, o dr. Valdemar (o anestesista me alertou para um problema que tinha surgido, dizendo-me para parar um pouco. Assim fiz. Sei lá 40 ou 50 segundos, não sei. A doente fez uma brabicardia, logo seguida de paragem, mas à terceira massagem cardíaca, recuperava. A partir daí nunca mais aconteceu nada. Acabei a operação, disse como tinha corrido e, confesso, saí para ir buscar o meu carro. Quando estava na oficina, recebo um telefonema alertando-me de que a miúda estava mal. Fui logo para lá e, quando cheguei, já lá se encontrava o dr. Lalanda Ribeiro (cardiologista) e o dr. Frias, enquanto o dr. Valdemar tinha chamado o dr. Silvino.

Casos destes surgem uma vez em cerca de 3000 operações; eu, não escondo, já operei 7000 doentes e é a primeira vez que me aontece uma coisa destas!"

 

Aconteceu uma paragem cardíaca

 

Também o dr. Valdemar Mota nos deu as suas impressões, Assim:

"O que aconteceu foi uma paragem cardíaca. A doente estava monitorizada e, a dada altura, apercebendo-me de algo de anormal, pedi para pararem um pouco, para dar a massagem cardíaca, e, à terceira, já tudo tinha voltado ao normal.

Não houve falta de oxigénio, já que se tal acontecesse, todos os operadores tinham dado por isso, uma vez que o sangue, em tais circunstâncias, surge escuro...

O que foi? Sei lá..., pode ter sido tanta coisa! Uma embolia, por exemplo. Mas a autópsia dirá o que aconteceu. Contrariamente ao que se disse, nós, operadores, também desejávamos que a autópsia fosse feita.

Infelizmente, aconteceu algo."

"Diário Popular" de 9-4-85

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ESTRANHA MORTE DE UMA JOVEM DE GÓIS MUITO
LIGADA AO COMÉRCIO

 

As circunstâncias que rodearam a morte de uma jovem de Góis, falecida após uma simples operação a um braço, têm levantado grande consternação, inicialmente naquela zona e ultimamente, face à divulgação que a imprensa diária tem dado ao caso, por todo o país.

Infelizmente, esta jovem, de nome Graça Maria Cunha Sanches, era familiar de um nosso assinante de há longos anos, da firma "José das Neves Sanches, Sucrs". daquela vila, e inclusive trabalhava, à altura da sua morte, com o seu pai, no estabelecimento.

Enviada por sua tia Clarisse Barata Sanches, recebemos uma tocante carta, acompanhada de um poema, com o pedido de publicação que muito naturalmente e compreendendo a dor que as motiva, vamos publicar na íntegra, muito embora o tema fuja um pouco à normal índole do jornal.

Para melhor comprensão do poema, começamos por transcrever a carta desta nossa colega e que o acompanhava.

 

"Incluso remeto a V.Exªs um soneto, que muito agradecia a sua publicação no jornal, se possível oportunamente.

É alusivo a uma jovem de 23 anos, de nossa família, que faleceu em 8 de Fevereiro no Hospital de Coimbra, em condições estranhas. De uma simples operação a um braço, derivou estar três meses em semi-coma, falecendo depois. O desaparecimento desta jovem muito querida em Góis, causou imensa consternação, nesta área. onde era muito conhecida e estimada por todos.

Como somos assinantes desse interessante jornal, há muitos anos, esperamos que nos possam fazer este obséquio, o que antecipadamente agradecemos".

 

                    DOR E SAUDADE

À minha querida e saudosa sobrinha Graça Maria Cunha Sanches,

sempre viva no meu coração:

 

                        Rebuscando papéis à luz do dia,

                Chorei de ansiedade e comoção!

                Porque numa gaveta encontraria,

                Continhas feitas pela tua mão.

 

                Do pai a caixeirinha de balcão,

                Eras moça gentil, Graça Maria,

                Há quatro anos que vendias pão,

                Com todo o teu encanto e simpatia!

 

                Devido a queda há anos, um pouquinho

                O ombro deslocava-se na lida,

                E o médico aconselha ao teu bracinho

 

                Uma operação simples, branco lírio!

                Em que jamais acordas para a vida,

                Com três meses de Cruz e de martírio.

 

Góis, 19 de Março de 1985

Clarisse Barata Sanches

 

       "O Comércio de Víveres" - Lisboa, 1-05-1985

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GRACINHA SANCHES

 

"E aquela mãe da linda jovem que Deus chamou a Si na pureza da sua mocidade e jamais esquecerá - a Gracinha Sanches - que num sofrimento atróz a morte se alojou a seu lado e matou as esperanças das esperanças que o seu coração abrigava.

Filhos. Amai as vossas mães, dando-lhes o conforto possível e acarinhando-as porque o carinho tudo vence e quando velhinhas não as mandeis para Lares da Terceira Idade, para não chorarem ingratidões.

 

Maria Salete Norte Borges - Andorinha - Oliveira do Hospital

Do seu interessante artigo intitulado "Mãe"

 

Texto extraído de "A Comarca de Arganil", de 18-05-1985

 

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DESUMANOS OS HOSPITAIS EM PORTUGAL

(ESTA NOTÍCIA É DE 1985: PERMITA DEUS NÃO SEJA, AINDA, HOJE ASSIM.)

           

Sempre que fui obrigada a entrar num hospital senti uma sensação de frio, de desamparo, de solidão. E assisti a cenas dantescas. Pessoas que chegam feridas e quebradas e são deixadas nos corredores, sem atendimento rápido. Gente que sofre e a quem ninguém liga. Velhos que mal se arrastam a andarem de seca-para-meca, dia após dia, saúde perdida, esperança perdida, sem uma palavra sequer, de carinho.

De um lado, o desespero de quem sofre. Do outro, o descanso de quem ganha para atender as pessoas, a irreponsabilidade de muitos, a insensibilidade, muitas vezes, até à maldade.

Faz pena, faz horror, frequentar os hospitais de Portugal! O crescimento das burocracias e o aumento do número dos doentes fez com que as pessoas sejam tratadas como animais, e que tenha sido perdido o sentido humano. Mais de dois milhões de portugueses passam, por ano, pelos hospitais. Eu posso ser um deles, você pode ser um deles. E TODOS são tratados sem conforto, nesses locais que deveriam ser casas de saúde e bem estar, mas que são, quase sempre, antros de doença e de solidão. Onde se passam horas de dor, às vezes, as últimas da vida...

Quando temos saúde, quando somos jovens, nunca nos lembramos destes problemas. É preciso que a doença nos bata à porta, para que sintamos na carne o que é o sofrimento e como dependemos da boa vontade e do tempo de médicos e de enfermeiras!

Há cerca de trinta mil portugueses internados nos hospitais. Dois milhões de pessoas precisam de consultas externas. Mais de dois milhões e oitocentos mil passam pelos serviços de urgência. E esta gente, TODA esta gente (salvo raríssimas excepcções) recebe um tratamento mecânico, burocrático e massificado. Mas isto tem de mudar! Porque todos nós, povo e autoridade, temos de transformar estes hospitais que temos, em casas de saúde verdadeiras, onde ninguém seja obrigado a mais solidão e mais sofrimento do que aqueles que lhe são impostos pela sua condição física.

Os doentes têm consagrados na actual legislação os direitos de acesso, participação no controlo da gestão do hospital, na assistência, informação, assistência religiosa e escolha de equipa médica. Mas nada disto está a funcionar.

As direcções dos hospitais devem dar prioridade à qualidade dos serviços prestados e abrir inquéritos rigorosos quando falhas graves se derem. E DEPOIS dos inquéritos, punir exemplarmente os culpados. Porque com a saúde não se brinca. Em Portugal, faz-se gato-sapato de quem sofre, e se o desgraçado não tem dinheiro para pagar então que morra.

 

Suplemento do jornal "O Comércio do Porto" de 28-04-1985

 

Nota: - Esta crónica da distinta jornalista Maria de Lourdes Brandão nada tem a ver com a tragédia da Gracinha, mas nunca é demais lembrar a deficiente assistência em alguns estabelecimentos de saúde em Portugal.

 

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Tenho o livro "GRACITA FLOR DA SAUDADE", editado por mim em 1985, transcrito neste Blogue: "À Beira do Rio Ceira". Ainda de coração a sangrar aqui fica também para memória futura. Resta-me agradecer ao prezado Amigo Jorge Vicente, director do Fri-Luso, e decoração que lhe fez à volta, com o lindo bairro da Boavista, as Capelas do Mártir e Castelo e vista do Rio Ceira. Foi aqui que vivi até aos meus 12 anos de idade.

 

Augusto Sanches e meu irmão não conseguiu coragem para seguir a justiça. Sofria mais bulindo na "ferida" e desde aí perdeu a saúde e a boa disposição.

Um neurologista de Coimbra Dr. Grilo disse-me uma vez pelo telefone: O seu irmão devido à morte de sua querida filha, tem mortas algumas células que lhe provocaram a doença do Parkinson. O triste acontecimento não matou só a Gracita, mas também o seu pai em 1997.

 

Dia 8 de Feveriro de 2010 completam-se 25 anos do seu desaparecimento. Uma data a salientar de triste comemoração.

 

Gracita, se lá na Pátria Celeste me estás ouvindo e feliz como mereces, Pede por nós, pela nossa família, por Portugal e pelo mundo inteiro que cada vez desanda mais sem um destino de FÉ, de ESPERANÇA e CARIDADE. Mil Abraços meu Amor e faz de conta que nos estamos a abraçar muito sentidamente. O "outro" que anseio, que ele seja de muita alegria e Glória para Deus. C.B.S.

                                  

 

CAPA DO LIVRO

                         Gracita, quando eu morrer,
                              Abre-me a porta dos Céus!
                   Quando eu entrar quero ver
                              A doce imagem de Deus!

  C.B.S.