CLARINHA DA FILARMÓNICA
MURMÚRIOS DO CEIRA
XXVI
CLARINHA NA FILARMÓNICA
As artes populares distraem e cultivam o espírito e
podem contribuir para uma juventude mais sã. C.B.S.
- Que estará A Maria Clara a fazer a esta hora lá na vila em casa dos Avós? Estou com vontade de telefonar-lhe. Eis a conversa que Maria dos Anjos – comentava com o marido à hora do jantar na cidade de Nova Iorque – Estados Unidos da América.
O casal tinha só uma filha que, quando atingiu sete anos de idade, pensou trazê-la para Portugal. Tencionavam regressar um dia e habitarem todos a linda moradia que haviam mandado construir de raiz na sua vila transmontana. Por esse motivo, não queriam que a filha se arreigasse muito àquelas terras e até por lá ficasse… Viria estudar e mesmo fazer boa companhia aos avós, que não tinham mais ninguém. É verdade que os seus pais vinham todos os anos à terra e ela também lá ia no tempo das férias grandes e quadra do Natal.
À hora que eles falavam da sua “Carinha”, mal sabiam eles, que o avô, um grande carola pela banda da filarmónica da sua terra – dizia à neta:
- Como sabes, gostei sempre muito da nossa música, Uma paixão que me vem dos tempos de criança. Fui um elemento distinto e exemplar, tocando saxofone com mestria e muito entusiasmo. Áh, como recordo o Maestro Oliveira que veio para esta terra como simples músico, e fez-se aqui um meritório e famoso regente que conseguiu elevar a nossa Banda, como sendo uma das melhores da região. Era um homem inteligentíssimo, a quem a Câmara prestou merecida homenagem em sua memória.
Abandonei a Filarmónica, com muita pena minha, quando casei e fui para a América do Norte. Tinha 23 anos apenas, e foi lá que nasceu a tua mãe. Tu nasceste cá por que os teus pais fizeram questão para que fosses bem portuguesa. O teu pai que é Açoriano, radicou-se lá, mas gosta muito daqui. Quando regressei já não tinha idade para ingressar de novo na Banda, mas tenho muita pena.
Olha, “Clarinha”, não te rias do que vou dizer-te: - Darias - me uma alegria enorme se fosses aprender a tocar um qualquer pequeno instrumento. Tens onze anos e estás na idade ideal. Dantes, não, mas hoje as mulheres empregam-se como os homens nas mais variadas artes e ofícios. Eu ia falar com o senhor Regente da Banda e logo se via.
Que tal?
- Eu também gostava, meu avô. Ficou-me na lembrança o que me disse há dias a minha professora de português: - “As Bandas Filarmónicas são o Conservatório do Povo”.
A senhora Dona Dulce, que ouviu a conversa toda, por detrás da porta… apareceu - e disse:
- Ó Álvaro, tu não estás bom da cabeça! E o que estás a pôr também na cabeça da “Clarinha”?! Ela precisa de estudar muito e os ensaios são à noite e não parece bem andar uma menina só, pela rua. Sempre fomos pessoas de princípios e bons costumes. Pensa bem como educámos a nossa filha, que sempre soube comportar-se bem e está feliz. “De pequenino se torce o pepino” e é no seio da família (a primeira Escola) que se começa a aprender o ABC da vida. A educação na infância tem muita influência no comportamento futuro da juventude.
- Deixe-me ir, avó – também lá anda a minha amiga – Ana Carolina. Gostava de fazer uma surpresa aos paizinhos quando viessem cá de férias para a festa da Senhora de Lurdes, em que nessa altura, já devo ter a farda.
A avó pensou um bocado e, depois, respondeu:
- Podes ir, mas de maneira que não descures os estudos e te portes sempre bem em tudo. O teu avô, como nunca perde um ensaio, acompanha-te. Nas festas e concertos, nós convidaremos alguém de confiança para vigiar o teu comportamento.
“Clarinha” ficou radiante, mas quem mais se alegrou foi o avô com a condescendência da esposa, que não vê outra coisa que é a sua querida neta.
E pronto. Na semana seguinte já ela andava nos ensaios. Com umas luzes de solfejo, que aprendeu na Escola, foi fácil a aprendizagem e o avô andava entusiasmado, vendo o interesse da Clarinha, com os compêndios na mão e já a tocar clarinete por toda a casa, Até a avó já se sorria – ouvindo o marido dizer:
- A Clarinha tem uma habilidade espantosa para a música. Já deve sair na festa da Nossa Senhora de Lurdes, a tocar o seu instrumento pela vila fora. O Maestro gosta muito dela, porque é uma mocinha exemplar, respeitadora e com muita capacidade de compreensão. Como nos estudos, brilha sempre e poderá chegar a Regente, imagina! Quem me dera ver a nossa “Clarinha” – à frente da Filarmónica, com a batuta na mão… pelas ruas da vila e o povo a bater palmas, aclamando-a.
- Eu também gostaria de vê-la a reger a filarmónica, mas, nessa ocasião, já não devemos cá estar… – alvitrou a D. Dulce para o marido.
Quando chegou o Verão e com ele a visita dos emigrantes para férias na sua terra Natal, Entre eles vieram os pais da Maria Clara, que tinha obtido boas classificações nos estudos. Os pais acharam-na mais alta, mais bonita e trouxeram-lhe um Computador de prenda para ela ir praticando.
Quinze de Agosto era o dia da festividade. Chegada a hora da procissão, a “Clarinha” foi vestir a sua linda farda azul escuro, com botões dourados e apresentou-se na sala, um bocadinho tímida, ante os espanto dos pais, que a beijaram com efusiva alegria. O tempo estava de sol radioso e os avós haviam encomendado um cabrito, que foi assado no forno. Para o jantar de festa, estariam presentes os senhores Maestro Oliveira e o senhor Prior que, com muita satisfação, aceitaram o convite.
Disse, então, o avô, sorrindo: - quisemos fazer-vos uma surpresa. Fui eu que entusiasmei a Maria Clara, e a farda fica-lhe muito bem. Já não morro sem que veja alguém da família seguir a arte musical, que sempre me fascinou – saiu a mim, a minha neta. Deus seja louvado!
E lá foram todos para a procissão. com o pai da Clarinha apegar no
andor enfeitado de rosas brancas. Até o senhor Prior lhe deu os parabéns, vendo-a aprumada, de farda nova e com o clarinete na mão.
Os pais ofereceram-lhe ainda um passeio de quinze dias a Nova Yorque, que ela, certamente, iria aceitar.
Como seria óptimo, se todos os jovens e adolescentes se dispusessem a ocupar os seus tempos de ócio nas artes populares, tais comos as Bandas Filarmónicas, Tunas, grupos de Cantares e cénicos, fanfarras etc. Obviamente um meio interessante de se arredarem de tendências condenáveis, das discotecas e noites fragosas da vida, que tantos levam para amargura dos pais, e muito gostariam de vê-los ingressar por caminhos estáveis, dignos e de melhor felicidade.