Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

À BEIRA DO RIO CEIRA

Blogue iniciado pela autora, Clarisse Barata Sanches, a exímia poetisa de Góis, falecida a 25 de dezembro de 2018. Que permaneça intacto em sua homenagem.

À BEIRA DO RIO CEIRA

Blogue iniciado pela autora, Clarisse Barata Sanches, a exímia poetisa de Góis, falecida a 25 de dezembro de 2018. Que permaneça intacto em sua homenagem.

CIRCO MARIA ALICE

28.09.09, canticosdabeira

MURMÚRIOS DO CEIRA

 

XIII

 

CIRCO MARIA ALICE

 

Muito vale quem sabe mandar. C.B.S.

 

 

O caso passou-se há anos numa vila Beiroa, no seio de uma família rural que possuía um pequeno comércio, Família esta, constituída por um casal de meia idade, Margarida e João, uma filha jovem de nome Maria Francisca e um filho moço também, chamado Victor Manuel. Porque viuvou cedo, morava com eles o Sr. António Bento, pai da senhora Margarida e ainda uma sobrinha desta a Maria Alice que ficara órfão de mãe e o pai se havia ausentado para parte incerta. Constava que fora para o Brasil e não mais se lembrou da filha que deixou, ainda pequena, com os tios.

A casa onde residiam estava distanciada da loja cerca de trezentos metros e sempre que era preciso ir lá buscar alguma coisa, a Maria Alice logo se prontificava a ir executar esta tarefa. Chegada lá, não se continha sem ir à seira dos figos secos e deliciar-se com uma mão cheia deles.

 

Num certo Domingo, em que chegou a casa com um garrafão de vinho, a prima e o avô notaram que ela deixou cair alguns figos no chão. Receando dar nas vistas, não quis baixar-se para os tomar.

Então, como andava descalça, disfarçou apanhando-os com os dedos dos pés, e um a um os ia colocando no bolso do avental…

A Prima Maria Francisca viu e calou-se… mas o avô não se conteve sem dizer Ó rapariga, tu eras boa para trabalhar numa Companhia de Circo. Tens uma habilidade espantosa para colher figos do chão. Com os dedos dos pés… Coitada, ficou vermelha como um tição… Mas a prima, que era confidente e amiga – logo atalhou:

- O avô não deixa passar nada em falso… mas fique sabendo que, talvez ela vá seguir essa profissão. Tem muito jeito para representar e os artistas do Circo, que estão no Parque do Castelo a trabalhar, já lhe fizeram um proposta nesse sentido.

- É verdade, Maria Alice, o que está a contar a tua prima? Tu tem juízo e não te metas com palhaços… Tens que me respeitar, porque eu estou a fazer as vezes do teu pai, que nem sabemos dele – volveu o avô, já muito arreliado.

- É certo, meu avô, os donos da Companhia, sabendo que eu canto bem, já me perguntaram se eu queria ir lá empregar-me, dizendo que me pagariam conforme eu merecesse… Apesar de gostar muito de teatro, não penso, por enquanto, nesse modo de vida. Também não sei fazer comédias e tenho medo de cair do trapézio… de princípio seria só para vender os bilhetes e cantar.

- Não queremos que andes a falar com palhaços, está bem? Lembra-te, que tens só dezasseis anos e que és ainda muito nova para saberes o que melhor te convém – recomendou o avô, novamente.

Entretanto, apareceram os tios que também a repreenderam, por ela andar a dar confiança a essa gente do Circo, que são saltimbancos e andam de terra em terra como os ciganos.

 

Dias depois, a Companhia abalou daquela vila para outra localidade, mas o jovem comediante teimava em escrever à Maria Alice, até que, daí a um ano a convenceu a fugir de casa dos tios, que ficaram muito desgostosos; participaram à polícia e foram em busca do seu rasto, Ela apareceu-lhes, mas recusou-se a regressar a casa, alegando que todos a tratavam muito bem. Perceberam os tios e ela confirmou que gostava do rapaz do Circo, tendo por amiga uma sua irmã, admirável trapezista da Companhia. Nem a prima foi capaz de a convencer a voltar e conformava assim os pais:

- Todos temos de cumprir a nossa sina e a dela será esta. Quem sabe? Poderá, mesmo, vir a ter sorte na vida. Ela tem já dezassete anos e meio e é muito inteligente, como sempre disse a nossa professora primária. Acho bem que venha a casar-se, fazendo um casamento religioso e bonito, tal como eu aspiro também. Para nosso descanso, ela confidenciou-me que o matrimónio deveria efectuar-se daqui a uns meses.

Mas os pais e o avô, é que não podiam levar à paciência que a sobrinha e a neta se envolvesse com gente de teatro e mais com palhaços de Circo.

A Maria Alice, possuidora de um bondoso coração e de uma inteligência invulgar, era uma bonita rapariga de cabelo às ondas, muito jeitosa e tinha uma voz maravilhosa! Decorava os textos com muita facilidade e sabia cativar e encantar o público.

Após dois anos a trabalhar ali, a Companhia tomou o nome de “Circo Maria Alice” e sempre de “vento em popa”… É que a moça deu muita alma ao Circo e veio a casar com o filho do proprietário da Companhia: - o Carlos Alberto que ela amava desde o primeiro momento que se viram, tendo ele cumprido com a sua promessa de dar-lhe o nome de esposo.

Nesta altura, tinham já muitos animais domesticados e amestrados, porquanto o Circo tornou-se mais interessante e famoso, chegando esta informação ao conhecimento da família, que também vivia agora bastante melhor economicamente e desejava ver a Maria Alice, sem ser só nos jornais… Sim, porque era já falada no País inteiro e até no estrangeiro.

Viviam bem, por que o senhor António Bento aconselhou a filha a abrirem um buraco na cozinha velha, onde estava uma mó de um moinho, dizendo muitas vezes:

- Vocês não acreditam, mas debaixo desta pedra redonda está uma panela de libras de ouro. Abram um buraco, mas não digam nada a ninguém… Quando os franceses por aqui passaram, muitas pessoas esconderam o ouro no chão da casa e nos quintais. É que eles pilhavam tudo, sem respeito por ninguém e nem pelos templos sagrados.

Tanto insistiu o senhor António Bento, batendo com a bengala na dita pedra, que eles resolveram de noite, abrir o buraco, aceitando a ideia luminosa do velhote. E, na verdade, lá estava a “mina de ouro”!

Foi um delírio naquela ocasião… com a família toda a levantarem a grande panela das libras a brilharem douradas! De um momento para o outro, ficaram ricos. O filho desenvolveu o negócio e à filha surgiram bons pretendentes para casar, mas ela, ao contrário da prima, não era namoradeira.

Num belo dia, um casal elegantemente vestido, bateu à porta daquela nova moradia. Era a Maria Alice e o Carlos Alberto, seu marido, o tal artista bonito, alto e moreno, que a entusiasmou a sair de casa dos tios e se apaixonara também, quando do primeiro encontro. Estavam radiantes e felizes e foi graças a ela, que o Circo progrediu muito. A Maria Alice vinha um pouco acanhada, mas, como foi bem recebida por toda a família, abraçou-os com muita alegria, dizendo, então, para o seu avô, sorrindo:

- Vê, como a sua neta, que tão cedo aprendeu a fazer truques… colhendo os figos com os dedos dos pés, se tornou uma artista e fadista de fama? Sabe? Agora ando a aprender ilusionismo. O meu marido é um craque nessa arte e quer que eu aprenda também.

- É certo, Maria Alice! Sempre te considerei uma moça de muita agilidade. Saíste è tua avó que Deus lá tem e era uma mulher muito esperta. Acho-te até muito parecida com ela, Estou contente por te ver bem acomodada na vida.

- O avô ainda foi mais habilidoso do que eu, que adivinhou – como bruxo – que eu dava para artista e acertou em cheio, onde estava a panela das libras… – lembrou a neta.

- Sim, tive um palpite bom, mas cheguei a andar descontente por não quererem acreditar-me. E queres saber, Maria Alice, eu havia sonhado que existia na casa um tesouro.

A prima Maria Francisca – perguntou-lhe, baixinho. – És feliz, Maria Alice?

- Muito. O Carlos Alberto não pode ser mais meu amigo. Deus queira que venhas a ter a mesma sorte no Amor – volveu a prima.

O tio João, também, não se ficou sem dizer:

- Deste-nos grande arrelia, “minha marota”, mas, graças a Deus, tudo acabou em bem. Ao que ouço dizer, o “Circo Maria Alice” é algo de importante, pelo que estou ansioso por te ver actuar ante o público e as crianças a baterem palmas.

- E há-de ver se Deus quiser – disse o Carlos Alberto, que convidou a família para irem confraternizar todos num bom Restaurante. A Maria Alice tinha já carta de condução, mas quem guiava agora o lindo e bom automóvel que trouxeram, era o Carlos Alberto,

Depois desta conversa, eis que chega a tia Margarida com doze moedas lindas e exclama em voz alta:

- Toma, Maria Alice, e vende-as para comprar algumas jóias; sei que não precisas, mas quero que fiques com uma recordação do avô, que foi o autor da nossa felicidade!

 

FÉRIAS NA ALDEIA

25.09.09, canticosdabeira

MURMÚRIOS DO CEIRA

XIV

 

FÉRIAS NA ALDEIA

 

A boa educação faz os homens grandes e úteis à sociedade. C.B.S.

 

Neta Que Prepara A Salada Com Avó Imagens De Stock

O Pedro e o Joana eram dois irmãos jovens, muito simpáticos, instruídos e inteligentes. O Pedro tinha 20 anos de idade e frequentava a Universidade Católica de Lisboa. A Joana com dezoito, terminado o 12º ano com elevada classificação, tendo aspirações de vir a ser uma boa Assistente Social, ou então Enfermeira. Ambos gostavam mais do campo, do que da praia, motivo porque os seus pais, de origem humilde e lavradora, aplaudiram a ideia de virem passar um tempo de Verão na Aldeia do Nogueiral, em casa dos seus avós maternos.

Quando chegaram em meados de Agosto, foi uma alegria para os avós que não tiravam os olhos dos netos, a sorrirem-se. Os pais vieram trazê-los no seu automóvel carregado de mantimentos, incluindo uma boa Televisão, como prenda para os avós.

A Joana, apenas, entrou na casa, disse à avó:

 

- Durante o tempo que cá estivermos, vou fazer de dona de casa. Embora a mãe já me tivesse ensinado alguma coisa, preciso de praticar mais nos serviços domésticos, pelo que a avó vai só limitar-se a dar ordens e auxiliar-me naquilo que me vir atrapalhada.

O Pedro, imediatamente, se propôs a ajudar também o avô nas tarefas do campo. Principiava o mês de Setembro, as colheitas e vindimas estavam no auge. Os dois irmãos, muito entusiasmados, escreviam e contactavam frequentemente pelo telefone com os pais, contando que estavam a gozar umas ricas férias, porque a companhia dos avós, o ambiente e as tarefas do campo os apaixonavam muito.

De quando em vez, costumava ir o Pedro com o avô para o cimo da colina, onde se desfrutava um bonito panorama de floresta verde e ali contemplavam a Natureza que Deus havia preparado com tanta ciência e encanto! Era um regalo repousar à sombra dos castanheiros, ouvindo o alegre cantar dos rouxinóis e o doce gemido das rolas, que voavam de ramo em ramo e faziam os ninhos, com arte e perfeição, nos troncos dos pinheiros e sobreiros.

A Joana que ia sempre à horta com a avó colher os legumes para as refeições, – dizia – muito ansiosa:

- Ah, se eu pudesse vivia sempre na aldeia e no campo. Como é lindo e salutar viver rodeada de tons verdes, flores e passarinhos! Aqui não existe poluição alguma. O ar, em contacto com a Natureza, é tão puro que se goza na aldeia de muito mais saúde.

Numa linda manhã, estava o Pedro e o avô no monte, e, de repente, viram ao longe e perto de um caminho, deflagrar uma pequena chama de lume. O rapaz logo se pôs a correr pela serra fora, na mira, rápida, de ir apagar o foco de incêndio, que despertava já com labaredas, afim de dizimar o maior bem daquela terra: - a floresta!

Ao chegar lá, cortou ramos de árvores e com eles conseguiu extinguir as chamas do mato que já alastravam uns trinta metros quadrados. Soube-se depois, que estivera ali um grupo de pessoas que vinham de automóvel e estacionaram para admirar o aprazível local.

Presumiu-se que, inadvertidamente, tivessem deitado para o mato seco, alguma ponta de cigarro. E se não fora a decisão instantânea e corajosa do Pedro, o incêndio tomaria séria proporções e, por consequência disso, prejuízos incalculáveis. Há quem diga, mas estranho, que o Sol, em altas temperaturas, também provoca chama, mas este caso sucedeu numa manhã, em que o Astro-rei ainda não estava na sua pujança.

Quando o Pedro regressou para junto do avô muito cansado, não se conteve sem que fizesse estes comentários.

-Há gente, meu avô, que nunca deveria colocar os pés nas serranias das matas, que são a maior riqueza do País. Uns por dureza do coração e outros por descuido imperdoável, assim vão dando cabo do maior bem natural que Deus colocou na terra para comodidade e proveito do homem. Apesar do quente Verão tornar a vegetação murcha e ressequida, o fogo, que deflagra de noite, não se acende sem mão… Muitas vezes eles são postos por pessoas de atraso mental, motivo por que à sua volta, deverá haver uma rigorosa vigilância durante os três meses de maior risco. Tenho muita pena dos Bombeiros Voluntários, que expõem a sua vida, ante o perigo, e ficam exaustos no tempo dos fogos.

Se eu dirigisse a Nação, sabe o que faria?

- O que farias, diz, lá?

- Depois de intensificar uma melhor prevenção nas matas e ordenar como já foi lembrado, e que parece estar a resultar, que não fossem atirados foguetes nas festas de Verão, poria os jovens deste país, nos tempos livres e de férias, a limpar o mato das florestas e as silvas dos campos. Claro que os proprietários teriam que recompensar, mas penso que até ficariam agradecidos, uma vez que lhes é muito difícil encontrarem quem lhes faça este trabalho. Nesse campo também os militares poderiam dar o seu contributo que, ao fim e ao cabo, era a bem do engrandecimento da Nação. Não é só com pistolas na mão que se defende uma Pátria.

- Ainda bem que já não se ouvem tanto os foguetes, as estoirar.

- Sabes, Pedro, antigamente as terras com pinheiros e sobreiros não estavam tão cobertos de mato e silvedos como hoje. Os agricultores que viviam nas vilas e aldeias, muito jovens, até, roçavam-no para cama dos animais que, depois de curtido, servia de estrume nas terras, muito melhor que os adubos químicos, que até matam a gente… Porque será que há agora tanta gente a morrer de cancro? – Efectivamente avô, dá para pensar…

- Agora. não há quem pegue numa reçadoira ou numa enxada para roçar um bocadinho de mato! Ali, para os lados da Boiça, o mato e silvas estão da minha altura!... Nem o caminho se enxerga, Os pequenos proprietários, como eu, já não podem e, como já disse, não conseguem ninguém “desempregado” que se disponha a realizar este serviço, As aldeias estão cada vez mais tristes e despovoadas. Uns velhotes, por aqui e ali, e nada mais.

Há dias, resolvi ir ver como estava a minha fazenda da Costeira, que dantes dava um moinho de azeite. Nem queiras saber… Andei por lá perdido no meio das silvas, sem quase distinguir onde se situava a minha propriedade… Parece incrível, mas é verdade!

Segundo li há dias no jornal “O Amigo do Povo”, metade do azeite que consome em Portugal é já importado e sobretudo de Espanha, onde se cuida com desvelo, ao contrário de nós, para ter bons olivais.

O ano passado fui mais a tua avó, numa excursão, à Espanha e ficamos admirados como eles lá têm os terrenos amanhados, a respirarem verdura por todo o lado e com bonitos laranjais.

- Já se fala, avó, no Turismo Rural, poderá ser que com o tempo, as coisas mudem para melhor…Mas eu também vejo que os nossos governantes ligam muito pouco à nossa agricultura. 80% dos comestíveis vêm do estrangeiro. Parece que os subsídios legais, não chegam bem à mão dos camponeses.

- Sabes, Pedro, a vida do camponês é um bocadinho dura e, por vezes, faz artroses nas articulações… Que o diga eu, que ando bem mal dos joelhos.

- Antes de me ir embora para Lisboa, ainda hei-de ver se lhe corto algumas silvas que estão junto ao muro e perto de casa. Porque não as extermina com pesticidas?

- Já dizimei algumas, mas elas eram tantas!

-Sabe, temos que ir embora, que a Joana já deve ter o almoço preparado e a avó pode estar preocupada com a nossa demora.

Aproveitamos o ensejo para esclarecer que a irmã do Pedro, a Joana, tinha um comportamento impecável, pois além de ser uma moça encantadora, simples e despretensiosa, possuía um coração de ouro. Nas horas livres visitava, no Centro de Dia, os velhinhos e doentes, fazia-lhes carícias e ajudava-os nas suas necessidades mais prementes.

Cuidava com muito zelo do jardim dos avós, para que na Capelinha da aldeia não faltassem as flores da época a enfeitar nos altares que ela, ao sábado decorava com prazer e gosto perfeito.

 

As férias estavam a terminar e já todos lamentavam a partida destes jovens tão simpáticos e prestimosos para com os idosos que, quase só eles, povoavam aquela linda terra do Nogueiral.

O Pedro e a Joana foram um bocadinho de Sol que ali entrou e iluminou de graça o povoado. Para que não ficassem tão tristes, eles prometeram voltar numas próximas férias, Também eles levavam saudades da aldeia e da boa e humilde gente que a habitava.

Enquanto alguns colegas descasavam nas praias e se divertiam nas discotecas, eles, duma maneira bastante positiva e interessante, davam o seu testemunho de verdadeiros jovens, sem vícios, homens íntegros de amanhã.

Louvores merecem as famílias que sabem criar e educar os filhos desta maneira!

Assim se contribui para a construção da Paz e do Amor, e até para o franco desenvolvimento de um povo. Pois é com filhos deste quilate, que a Pátria se engrandece!

 

VISITA AO LAR

23.09.09, canticosdabeira

MURMÚRIOS DO CEIRA

 

XV

 

VISITA AO LAR

 

Os Lares combatem a solidão, mas avivam as Saudades do convívio fraterno da família. C.B.S.

 

 

Numa tarde de sol, no dia de Ano Novo, subia eu as escadarias do Lar de idosos, pois decidira ir ver a Arlete, uma Amiga de infância que ali se encontrava. Pena é que a estrada não seja de mais fácil acesso para as pessoas, em dificuldade, se poderem movimentar melhor.

 

No entanto, desfruta-se dali um panorama maravilhoso! A montanha rendilhada de árvores, abraça ternamente o Céu e a verdura dos campos, marchetada de vermelho e branco, deixa ver ao longe o casario moderno dos arrabaldes da vila.

 

O entrar no Edifício, de estilo actual, engalanado de “rosas de todo o ano” e canteiros de violetas a perfumarem o ambiente, deparei na sala com cerca de vinte rostos: mais femininos que masculinos – apáticos, silenciosos e tristes: alguns até comoventes, devido aos seus estados de imobilidade sofredora. Entre estes, uma senhora com cegueira total e uma anãzinha que caminhava na sala com a ajuda de um andarilho. Notei com desagrado, que poucos idosos tinham visitas. Uma insensibilidade imperdoável dos tempos que correm.

 

Após os cumprimentos sentei-me ao lado da minha amiga, tendo a ocasião de escutar um diálogo curioso entre mãe e filha, esta de visita a sua mãe, naturalmente.

A Susana, coitada, já quase não reconhecia a filha – que lhe dizia: - sou a Maria da Graça!

- Também tinha uma filha com esse nome, mas ela já há muito tempo que não me visita…

- Sou, eu, mãe – dizia a Maria da Graça.

- Ai, és?! Como estás diferente! És, então, a Maria da Graça – respondeu a mãe, admirada!

 

- Oh, mãe, ainda cá estive pela Páscoa, não se recorda? Sabe, temos a vida radicada em Lisboa; depois, com as filhas a estudar, torna-se difícil passar mais vezes por aqui. O seu genro, também, raramente vai a Mangualde ver os pais. Pelos seus anos, costumo telefonar para saber de si, e a senhora Directora está avisada para, no caso de uma fatalidade, nos comunicar o facto. Que mais queria? A mãe tem de compreender a nossa situação.

 

 

- Está bem, Maria da Graça. Permita o Senhor que as tuas filhas te dediquem mais estima e te confortem melhor quando um dia chegares à minha idade, Vieste colocar-me aqui, como sendo um estorvo na casa, que nos custou muito a ganhar... e ainda uma mercadoria qualquer que se arruma no sótão. Eu sei que os idosos hoje, são um fardo pesado que poucos desejam acarretar com ele… mas “moeda cara”, que muitos hão-se receber de troco…

Mudando de assusto, diz-me:

Como estão as minhas netas? A Teresinha deve estar uma senhora! Muito gostaria de vê-las!

- Estou admirada, mãe, como está hoje de memória!

- É verdade. Tenho passado mal de saúde e de raciocínio, mas hoje rejuvenesci; parece um milagre ou melhor: - uma prenda do Menino Jesus! Fala-me, pois, das minhas netas:

 

- A Sara Luísa fez doze anos no dia 20 de Julho. Está muito gira! A Teresinha, com dezassete, cresceu bastante e já namora. Gostaria de traze-las comigo, mas quiseram ficar em Pombal em casa de umas amigas; elas gostam muito de praias, mas para o Verão vou entusiasmá-las a virem passar uns dias na terra. Nessa altura, a mãe, terá, então, o gosto de as ver.

- Obrigada, minha filha, mas só Deus sabe, se ainda viverei.

 

Nesse momento, a minha amiga Arlete, piscou-me um dos olhos, como condenando o à vontade daquela filha pouco carinhosa para com a sua mãe, uma doente nervosa, com arteriosclerose em estado progressivo, e disse-me baixinho:

- Tenho de falar com a Maria de Graça…

Esta, já se despedia da mãe, que hoje não lhe poupou censuras e lavada em lágrimas lhe recomendava:

 

- Não te esqueças de mim e de trazeres as minhas netas. Quero dar-lhes uma lembrança que me resta: o meu cordão de ouro para que mandes fazer dois fios bons para elas. Uma fica com a cruz de Cristo e a outra com a medalha da Senhora da Conceição.

 

A Arlete, pedindo-me que esperasse um pouco, acompanhou a Maria da Graça até à porta. Por uma janela da sala pude ver as duas sentadas no banco do terraço a conversarem animadamente. Note-se, que a minha amiga era companheira de quarto da Susana, sabendo quanto ela sofria com as saudades do lar, dos seus, e até da vida campestre da sua aldeia. Por isso lhe pedia:

- Venha ver a sua mãe mais vezes, sim? Coitada, custa-lhe muito viver distante da família e, alem do mais, tão doente. O seu irmão que vive na América do Norte, também pouco lhe escreve. Quando recebe uma carta dele, não se cansa de a beijar com pranto. Venha, Maria da Graça, e não se esqueça de trazer as meninas, que até eu gostaria de vê-las. Olhe, que a vida é uma roda a girar – continuamente – e um dia poderá saber como é triste notar o desprendimento da família e as carências do amor.

- Sim, D. Arlete, vou ver se consigo visitar a minha mãe com mais frequência. Hoje, quase me não conhecia e comovi-me muito com isso.

- Venha sim; até para dar esse belo exemplo às suas filhas que precisam de aprender a estimar os mais velhinhos.

Bem-haja, D. Arlete, pelo seu conselho que vou seguir. Enquanto não volto, por favor, repare por minha mãe.

 

Quando a minha amiga regressou à sala, a Susana já não estava, Provavelmente teria ido descansar um pouco e desabafar as mágoas e saudades, na cama. Reparei que a Arlete trazia estampado do no rosto um misto de alegria e paz, por ter tido o ensejo de dar à Maria da Graça – uma proveitosa lição de moral, que esperava resultar.

 

- Tenho de me ir embora, Aríete, que se faz tarde – disse-lhe:

- Sim, Maria Luísa, mas antes, gostaria que visses o nosso Presépio, exposto na outra sala. Como sempre, sou eu a armá-lo.

 

- Eu sei que és uma artista para tudo. E poemas têm feito muitos?

- O último que escrevi foi um soneto, em forma de acróstico, sobre a Terceira Idade. Vou deixá-lo, aqui mesmo, junto do Presépio, como seja um diálogo entre os dois idosos:

 

 

AS TARDES DA VIDA

 

- A – Ai, Maria, que triste a nossa vida!

S – Ser já velhinho e, – neste mar – viver…

T – Ter mil recordações para esquecer,

A – A nossa força toda já perdida!

 

- R – Reflecti na Palavra proferida,

D – De Jesus, quando o barco ia a tremer

E – E sobre as águas, quase a subverter,

S – Sossega a tempestade, espavorida!

 

D – Dizendo àqueles homens e de pé:

A “Ah, não temeis os ventos e a maré…

VVede… como Deus ama o povo seu!”

 

I – Irmão, façamos como Jesus disse:

D Dando louvor ao Pai! E na velhice,

A – A Fé é barco firme – para o Céu!

 

 

- Parabéns! Um soneto interessante e de sentido moral! O Presépio está lindíssimo, também.

Despedimo-nos à porta, com a promessa solene de nos voltarmos a ver, muito brevemente.

 

De regresso, pensei bastante na minha amiga Aríete; uma alma plena de sentimentos nobres, sempre pronta a ajudar o próximo, de maneira oculta e generosa.

 

No Lar é qual um Anjo tutelar a amparar os mais debilitados. Quando cheguei, acabava ela de servir a refeição a uma doente impossibilitada de se alimentar sozinha. Solteira, tinha acompanhado, com muita dedicação e carinho, uma sua tia também solteira, tia essa, que lhe doou todos os seus haveres, que eram consideráveis.

 

Esta minha amiga, de sessenta e dois anos, poderia estar numa boa Casa de Repouso, mas preferiu um Lar sóbrio, onde pudesse sentir-se útil, auxiliando os mais pobres, tanto doentes, como idosos. Diariamente reza por eles e faz muito boa companhia, porquanto é uma pessoa muito bem disposta.

 

O Lar foi ampliado para mais uma dúzia de camas e uma linda varanda; isto também com a sua preciosa contribuição, que nem gosta que se divulgue muito - costumando dizer:

“A Sagrada Escritura” revela claramente que a Fé sem obras é estéril. Que vale dizermos que acreditamos em Deus, se não cumprimos os seus preceitos? Também os demónios crêem Nele e estremecem…”

Sinto-me honrada e feliz por ter por amiga uma pessoa como a Arlete que pratica, entre outras, duas virtudes muito queridas de Jesus: - Solidariedade e Humildade. – Esta última, bem expressa no modo simples, despretensioso e exemplar como Deus, todo-poderoso, quis mostrar ao mundo o seu Natal, realizado em Belém – numa estrebaria!...

 

Finalmente, convido, as pessoas que podem, a visitarem os Lares, de quando em vez, porque os idosos gostam e é do agrado de Deus minorar-lhes as saudades e o triste fim da sua existência.

É bom lembrar que também nós, poderemos, um dia, vir aqui parar!...

 

 

O MUNDO EM NOTÍCIA

20.09.09, canticosdabeira

MURMÚRIOS DO CEIRA

 

XVI

 

O MUNDO EM NOTÍCIA

 

De que aproveitará  irmãos, alguém dizer que tem fé se não tem obras? Acaso esse fé poderá salvá-lo?

Se ele não tiver obras, é morta em si mesma. S. Tiago.

 

 

O Dr. Daniel Ramos era um conceituado industrial de automóveis, da Capital, que tinha já conseguido uma situação económica estável.

Sua esposa D. Helena Isabel, um filho e uma filha, estudantes, e a sua mãe viúva formavam a família. Sempre que alguém da família completavam anos, costumavam organizar festas e convidar os amigos mais íntimos.

Só por motivo de força maior se não assinalavam estas datas com um beberete fino e abundante. Era ainda habitual ir sempre passar o mês de Agosto no Algarve, onde tinha uma excelente vivenda na Quinta do Lago.

Normalmente o Dr. Daniel interessava-se em andar ao corrente do que se passava pelo mundo e, por isso, lia sempre um jornal diário. Sua esposa entretinha-se a fazer renda mais a sogra, mas também gostava de dar uma olhadela pelos jornais.

 

Num certo dia em que estavam todos na praia (excepto o filho Ricardo), gozando as delícias das marés do mar e do sol límpido, num Céu muito azul, a D. Helena Isabel pegou no jornal do marido e pôs-se a ler para si. Passados alguns momentos, – refere - em voz alta:

- São mais as notícias tristes, que as alegres. Lê, tu, Daniel?

Lê, sim, alto, pediu a mãe – muito curiosa…

- Escutem, então – se fazem o favor:

………………….

- Só duas de cada dez crianças Angolanas vão à Escola.

- Um sacerdote Chinês vítima de torturas infames!

- No Uganda há 700 mil órfãos, muitos deles vivem na rua, acelerando a morte por desnutrição.

- O António Antunes Rosa, de 79 anos, faleceu no Hospital, mas ninguém apareceu para lhe fazer o funeral.

- A delinquência dos jovens aumentou nos últimos anos.

- A ignomínia e o opróbrio continuam a pregar Cristo na Cruz, perante as violações e injúrias nas crianças…

- Atentado à granada faz três mortes.

- Em África foram mortos um padre e dois catequistas.

- Prognóstico do inicio do século: Semelhança aos anos anteriores na martitização da fome, das doenças, das corrupções, da crueldade, da rapina, do descaso e abandono dos mais humildes e sofredores por todo o mundo, apesar das boas intenções e da Declaração Universal dos Direitos do Homem e ainda João Paulo II se interessar e pugnar muito a favor da Paz. Em suma o amor ao próximo – cairá, de todo, em desuso…

As famílias, que não se estimam, como dantes, estão quase a desaparecer…

- São 130 milhões de crianças que não vão à Escola. Um décimo do que se gasta em armamento bastava para a sua educação.

- Andam tratando de ir ao Planeta Marte, mas poucos tentam chegar ao pé do seu semelhante, que faz parte dos milhões deles que sucumbem à fome e estão mais à mão…

- Armando Carvalho, de 73 anos, solteiro e doente, vive só, conduzindo uma cruz, que não pode. Todavia, alguém espera pelos “sapatos” que deixa…

- A droga e a Sida continuam a ser o flagelo terrível da Humanidade. Muitos milhões já infectados e são os homens que mais contribuem para isso. Em Portugal tem aumentado assustadoramente!...

- Um chefe de um governo de África, disse: Só a troco da guerra, se poderá alcançar a Paz…

- Os homens não se entendem por causa das ambições desmedidas e estão a atacar com força na Terra Santa e noutros sítios, terroristas homicidas que pensam em matar o maior número de pessoas.

- Na Etiópia, em Angola e noutros países do mundo, a fome mata crianças e adultos aos milhares.

- Um quinto da população mundial, vive em extrema miséria!

- Muitos milhares de crianças pegam em armas.

A filha do casal, de 14 anos. que escutou a leitura com atenção – volveu de modo sério:

Todas as notícias são más, mas a pior para mim foi a última que o paizinho leu. – Meninos soldados! Mas que horrores andam a ensinar às crianças! E que grande crueldade, não é minha avó?!

- É certo, Cristininha, Estou até impressionada com o que ouvi ler. Quem poderá ficar indiferente a tamanha desumanidade?

- Deve ser pecado grave e até uma provocação, haver tanta gente sem conforto moral e material e outros só pensarem no gozo e em festas, aonde se gastam rios de dinheiro, não é mãezinha? – Disse a Rosa Cristina – com expressão de pena.

- É verdade, filha e isto que ouviste é apenas uma amostra das desgraças que vão pelo mundo… Ontem ouvi dizer na rádio que há muitos países em franco progresso, todavia, dez por cento da humanidade vive mais pobre, que há trinta anos atrás!

 

Jamais volto a festejar os meus anos com aparato – disse a D. Helena Isabel… -Nem eu mãezinha – volveu a filha, acrescentando: - com este valor poderemos matar a fome a uma dúzia de crianças de cor. Coitadinhas! Algumas já eu vi na Televisão a chorarem, só com a pele e osso e a fugirem da guerra com uma trouxinha à cabeça.

 

O Dr. Daniel que havia escutado o diálogo entre elas, – adiantou, também:

- Sinceramente aprovo a vossa ideia! Não festejo mais a data do meu aniversário. Sei que a AMI – Assistência Médica Internacional tem um válido projecto de apoios variados a todas as calamidades do universo, incluindo a reabilitação de crianças de rua. Canalizar para esta Instituição algo dos nossos meios económicos é obra humanitária e sublime, que ninguém deve alhear-se. Após as férias terminadas, vou efectuar uma transferência Bancária a favor da AMI.

- Obrigada, meu pai, pela sua boa acção e tome lá um beijinho – disse a Rosa Cristina – sorrindo de alegria!

~- Vou também abrir a bolsa… e ajudar, como é o meu dever. Não quero, nem devo ficar de fora. E anos, assinalá-los, parta quê? Se já são tantos? – Exclamou a avó da Cristina, – dando palmadinhas nas costas do filho, mostrando-se, igualmente, satisfeita, por estarem todos de acordo em minorar um pouco as desgraças que vão por esse mundo além. Ao lado, num outro toldo, um casal fazia este comentário:

 

- Eis uma família sensível e generosa, que aproveita as horas de laser na praia para pensar de maneira Evangélica, e minorar as agruras e tristezas de tantas pessoas que vivem por esse mundo fora e até nem conhecem…Isto ao invés de outras que, praticando as suas tradições religiosas, apenas se preocupam consigo e em beliscar o nome de quem até se fazem “amigos”! E quando o interesse se sobrepõe à Amizade, esta é tal qual uma noz sem recheio são… e de sabor amargo.

Por que os jornais se entremeiam de mais notícias negativas do que positivas e as Televisões as transmitem com tristes ilustrações de violência e desonestidade, também as crianças aprendem hoje melhor o que mais vêm de mau e ouvem dizer… Levar mais a sério a mensagem Divina à gente nova, educando-a numa real vivência cristã, e incutindo-lhes uma nova Esperança de vida, talvez contribuísse para uma resposta válida, em que a juventude actual pudesse acreditar e seguir.

 

- Concordo contigo, mulher: um estudo da ONU revelou oportunamente que durante 71 horas de emissão de desenhos animados, por seis cadeias de Televisão, foram mostrados às crianças 1432 delitos, a uma média de 20 por hora, trinta por cento dos quais, homicídios e 57 por cento foram ataques que causaram feridos.

 

 

- Penso que os pais deveriam escolher sempre os programas dos seus filhos, tendo o cuidado de impedi-los de ver filmes nefastos e prejudiciais ao seu desenvolvimento moral e Cristão.

Com tantas transmissões ao vivo de cenas violentas nas ruas e entre famílias etc. etc., como não há-de o mundo viver em forte crise de valores morais?

Que Deus surpreenda a Terra com BEM e transforme os corações em tabernáculos de AMOR e LUZ.

 

 

 

 

QUANDO EU ERA CRIANÇA

18.09.09, canticosdabeira

MURMÚRIOS DO CEIRA

 

XVII

 

QUANDO EU ERA CRIANÇA

 

Na infância é que se aprende a viver: C.B.S.

 

Clarisse Barata Sanches no dia da sua comunhão solene

Quando eu era criança, gostava muito de visitar a aldeia onde nasci e lhe chamavam Várzea Grande. Hoje, uma vila muito bonita que dista da terra aonde resido, (e a minha mãe veio a casar com um primo) apenas cinco quilómetros.

Nesse tempo vivia ali a minha avó materna, viúva com um filho, nora e netos pequenos. Era uma santa alma, que não faltava à missa do Domingo, às novenas e rezas da Paróquia.

Morava junto ao bonito Adro da Igreja, templo que eu gostava de ir ver decorar de lindas flores do seu quintal e do da “Julinha das casas Novas”; uma senhora simples, mas muito instruída. A minha madrinha morava em frente numa enorme e bonita moradia, com um grande quintal, perfumado também de cravos e rosas que havia por ali à volta de um poço com água. Nesse tempo ela era uma considerável lavradora e “mulher de armas”, que algumas vezes vi à frente duma junta de bois. Ouvia dizer que lavrava as terras como um homem. Sem o chefe da casa para ajudar nas lides da quinta, trazia dois filhos a estudar e conseguiu formar um em Engenharia e outro em medicina, tendo este sido o meu padrinho do baptismo. Recordo com saudade, quando ele me disse um dia no Mártir: ”Li os teus versos! E foi acolá naquela Igreja que te baptizei; era ainda muito jovem.”

Lembro-me, também, que tinha muita vergonha, quando a minha mãe me mandava pedir-lhes a bênção, que era cumprimento de muito respeito e agora já se não usa nada. É tu cá e tu lá, como se fossem todos camaradas de Escola e guardadores de rebanhos na serra. Hoje, já não se respeita a idade, nem os seus conhecimentos úteis para melhor singrarem na vida., que mais parece uma balbúrdia de deseducação.

Os meus pais tinha uma loja de comércio de mercearias e produtos diversos, pelo que pode dizer-se que nasci “detrás de um balcão” e muito cedo comecei também a comerciar e a fazer cartuchinhos de papel. Gostava de jogar às pedrinhas e ao anelinho, mas só na Escola no intervalo das aulas.

Sendo o meu pai  regedor, muito nova me iniciei a escrever à máquina, fazendo requerimentos a dois escudos e cinquenta centavos cada um. Ainda tenho essa máquina de escrever, que veio da América do Norte, tinha eu dez anos.

Como em casa da minha avó materna se vivia com alguma dificuldade, a minha mãe, frequentes vezes, combinava com ela, para se encontrarem no meio do caminho da Várzea, as duas; o meu pai não sabia, mas a minha mãe ia carregada de mercearia. Sentavam-se as duas numa lousa, um bocadinho a conversarem e a matarem saudades, até que se despediam tristes, cada uma para sua casa.

A minha mãe mandou confeccionar um fatinho de Anjo, em cetim branco, com asas de tule e decorado de lindas lantejoulas, que eu gostava muito de levar vestido nas procissões de festa da Senhora da Candosa. Tinha-o sempre guardado num baú azul e estimou-o muito tempo, para que outras meninas o levassem também.

Era uma alegria ver a nossa avó em nossa casa e eu a dormir com ela. Pelo Natal, pela Páscoa e matança do porco, fazia-se sempre uma reunião de família com jantar melhorado. Vinha a minha avó da Várzea, os meus avós paternos, a tia Preciosa ainda solteira, para confraternizarem connosco. Alargava-se a mesa para cabermos todos.

Lembro ainda o convívio da lareira, nas noites frias de Inverno, com os meus avós paternos a contarem estórias de fadas, que chegaram a vir viver connosco. Tive muita pena, quando um dia assisti à morte de minha avó, em nossa casa. O meu pai foi, também sempre muito dedicado aos seus pais, recomendando: eu dormiria com a minha avó e o meu irmão com o meu avô, para que lhe aquecêssemos os pés.

Comparando com a vida actual de hoje, verifica-se um desapoio tristonho da terceira idade que não goza da companhia constante dos filhos e a alegria contínua dos netos em seu redor. Surgiram os Lares, mas estes não compensam a dedicação e a estima da família, tão salutar nos tempos idos e saudosos. Apenas desejam herdar os seus haveres e mais nada…

Tenho muita pena dos meus tempos de criança, porque o respeito a convivência e o amor imperavam como lei nas famílias, nos Amigos, nas Escolas e em todos os actos da Vida.

 

==================================

 

Quem diria que um dia mais tarde esta menina, com um ar

triste e sério, havia de fazer um soneto a meias com um grande poeta brasileiro de nome Renã Leite Pontes.

 

A LIRA DESPEDAÇADA

 

Ao prezado Amigo Prof. e Distinto poeta Renã Leite Pontes, com votos de melhor saúde.

 

 

 

R – Obra-prima busquei, beijei-te a lira,
C – Que achei encantadora, aliciante!
R – Eu te esperava lívida e, num instante,
C – Algo de ti, oh! Lira, se esvaíra...

 

 


R – Eu nunca acreditei que alguém te vira
C – Com esse teu olhar relampejante
R – Em formato tristeza, bela infante,
C – Que o sonho numa noite te vestira.

 


C – Mas logo, ao acalmar os Corifeus,
C – A Musa, que te deu inspiração...
C - Desarvorou de ti... Sem um Adeus!

 


R - O golpe vil vibrou, pelos espaços
R - Entrou, feriu um nobre coração...
R - A Lira se partiu em mil pedaços.


Clarisse Barata Sanches e

Rena Leite Pontes

 

A MENINA PRINCESA

16.09.09, canticosdabeira

MURMÚRIOS DO CEIRA

 

XVIII

 

A MENINA PRINCESA

 

O casamento e a mortalha no Céu se talha:  Popular

  

Em tempos idos, num lindo e vistoso Palácio, viviam o rei D. Francisco, a Rainha Margarida, uma filha, alguns fidalgos e numerosa criadagem.

Sim, deste régio casal nascera uma menina a quem foi dado o nome de Maria Gabriela, que era o enlevo dos pais. Uma infância alegre e descuidada teve esta Princesa até aos oito anos de idade.

Com a natural predilecção pelos divertimentos, e como não tinha manos, pediu aos pai que autorizassem a virem brincar com ela os dois filhos do jardineiro: Carlos e Rosa. E assim, durante algum tempo eles vinham ao Palácio distrair a Princesa, que dedicava uma especial atenção a estas duas crianças.

Um dia Carlos, que tinha mais três anos que Maria Gabriela – disse-lhe que não poderia continuar a brincar, pois teria de pensar no seu futuro. Gostaria de ser médico, mas como o pai não possuía recursos para isso, iria aprender a alfaiate, com o seu tio Augusto, dono de uma Alfaiataria na vila.

Maria Gabriela ficou triste por ter de se privar da companhia destes dois amiguinhos, pois a Rosa também já lhe tinha dito que a mãe precisava que ela, nas horas livres da Escola, a ajudasse mais na lida da casa.

Numa noite de insónias a menina Princesa pôs-se a pensar sozinha:

-Carlos queria ser médico e se eu pedisse ao paizinho, talvez ele o protegesse. E assim fez. Na manhã seguinte disse ao rei:

- Paizinho, o Carlos desejaria muito vir a ser médico, mas o pai dele, o nosso jardineiro é pobre como sabe e não tem meios para pagar-lhe os estudos; se o paizinho quisesse, ele seria Doutor, não é verdade?

- Talvez… E tu gostavas, Maria Gabriela?

- Oh, como eu gostaria de dar essa alegria ao Carlitos!

- Manda, então, dizer ao Acácio e ao filho que venham falar-me.

Nesse mesmo dia o jardineiro recebeu o recado do rei e já nada o susteve, sem que viessem logo ao Palácio, saber o que lhes queriam.

Entrando respeitoso, de chapéu na mãe, – perguntou o Acácio:

- Vossa Majestade mandou chamar-nos?

- Mandei, sim. A Princesa participou-me que o teu filho gostaria de formar-se em medicina e pediu-me para eu o ajudar a concretizar o seu ideal. Agora, se for da tua vontade e ele tiver, efectivamente, essa vocação, eu não me oponho aos desejos dela. Também é preciso que ele seja aplicado nos estudos e tenha um bom comportamento.

O jardineiro, muito emocionado, – balbuciou, comovido:

- Já sabia que a Princesa possuía bom coração, mas não julgava que fosse capaz de demonstrar tanta estima por nós. Muito agradecidos ficamos a vossa Majestade e a vossa Alteza.

O pequeno, que sorria envergonhado, beijou as mãos do rei, dizendo, sem hesitação:

- Muito obrigado, Senhor D. Francisco.

Combinaram, então, interná-lo num Colégio. O rapaz era vivo e manifestava significativo talento, pelo que, no fim do primeiro período, as notas foram animadoras. Pelas férias vinha sempre ao Palácio visitar os seus protectores e a Maria Gabriela andava satisfeita com o bom aproveitamento do Carlos, nos estudos.

A menina Princesa, que também era inteligente, foi crescendo e havia recebido uma educação esmerada. Professoras muito distintas, ministraram-lhe no Paço todos os ensinamentos indispensáveis a uma nobre Princesa.

Quando o Carlos era já um donairoso rapaz e frequentava a Universidade, ela gostava imenso de trocar impressões com o seu amigo de infância, que certa vez lhe disse:

- Estou quase a terminar o meu curso e a vossa alteza o devo. Não sei como agradecer-lhe o enorme interesse e bondade que tem evidenciado pela minha humilde pessoa.

- É simples. Basta-me a continuação da tua Amizade – disse Maria Gabriela.

- É para mim subida honra saber-me estimado por vossa Alteza. Sou pobre e sem valor, mas se, apesar disso, para alguma coisa lhe puder ser útil, creia que serei capaz de todos os sacrifícios para lhe poupar um desgosto.

Terminada a formatura, e como tivesse mais aspirações, resolveu ir ao estrangeiro especializar-se.

 

Desde aí, a linda Princesa, que já contava dezanove anos, começou a ficar triste, pois sentia vivas saudades do Carlos, do qual há meses não recebia notícias. Os pais perguntavam-lhe por que não sorria como dantes e ela respondia – que realmente não tinha alegria de viver, mas não sabia explicar a causa da sua melancolia… Realizavam-se festas e bailes de gala no Palácio, todavia, nada a animava.

Uma guerra civil veio seguidamente transformar o regime e o rei foi deposto do trono e mandado para o exílio. Todos estes acontecimentos magoaram a Princesa que, deste modo, perdia as esperanças de tornar a ver o seu companheiro de infância…

 

Nos arredores de Sevilha, foram fixar a residência. Que saudades sentiam todos dos felizes dias passados!... Maria Gabriela andava já apreensiva… e um dia – disse a sua mãe:

-Mãezinha, certamente não tornarei a ver o Carlos. – Por que seria que deixou de escrever-me? Foi muito ingrato, não foi?

- Não minha filha, não fói!... Vou dizer-te a verdade: o teu pai ordenou que não voltasse a escrever-te. Sabes, ele não é de sangue “azul”, mas, sim, de condição plebeia e humilde. Sendo filho de um jardineiro, não podíamos autorizar que ele se correspondesse contigo. Quando crianças, era diferente; agora, minha filha, estás uma senhora e é preciso pensar no teu futuro.

- Compreendo, minha mãe. Mas quando há pouco lhe disse que não tornaria a ver o Carlos, foi porque percebo que os meus olhos já não vêem nítido como dantes. Há dias que vou notando que a vista me vai a faltar. Hoje, então, sinto maior diferença, mal distingo as coisas e já não conseguiria ler as cartas dele.

Junto de sua mãe, Maria Gabriela não se conteve e desatou a chorar. Aquela, consolando-a, – exclamou muito pesarosa:

- Oh, minha filha, não chores. Vou já contar ao teu pai o sucedido e consultaremos, imediatamente, os melhores médicos que te hão-de curar depressa.

Assim fizeram. Bons especialistas espanhóis trataram de efectuar imensos exames e receitaram vários medicamentos. No entanto, a Princesa continuava na mesma. Ainda tentaram operá-la, mas, receando o insucesso, resolveram os pais irem consultar especialistas mais famosos. Numa Clínica especial, de oftalmologia, em Inglaterra, Maria Gabriela sujeitou-se a melindrosa intervenção cirúrgica, da qual não obteve resultados satisfatórios. Pelo contrário, sentia-se pior e mal conhecia já as pessoas, mesmo vistas de perto.

 

Meses depois, chegou ao conhecimento do ex-rei que, na América do Norte, um especialista, ainda novo, tinha alcançado grande nome, realizando curas maravilhosas nos olhos! Numa última tentativa, os pais, que tanto queriam à sua única filha, lá seguiram com ela, rumo aos Estados Unidos.

As duas senhoras aguardaram num Hotel, enquanto D. Francisco foi à Clínica falar com o notável oftalmologista, que o recebeu surpreendido – dizendo:

- Vossa Majestade, por aqui?

- É verdade, Carlos. Também eu não esperava encontrar-te na América do Norte…

- Depois de ter permanecido algum tempo em França, onde me especializei em doenças dos olhos, vim aqui parar há onze meses. Mas, o que traz por cá, vossa Majestade?

- Não me trates desse modo, Carlos! Os dias de meu reinado já lá vão… Hoje, a infelicidade bateu-me à porta. Tenho a minha filha, infelizmente, cega e vinha consultar, numa última tentativa, o Director desta Clínica, que dizem ser o melhor oftalmologista do mundo.

- Os seus méritos talvez não correspondam à sua fama…

Tem o Senhor D. Francisco, na sua frente, o especialista que procura! Dá licença que o abrace? Creia que sinto, igualmente, o desgosto que o punge. Irei fazer todos os esforços para que a Princesa recupere a visão o mais breve possível.

. Mas será tu, Carlos, o médico milagroso de que os jornais tanto falam?

- Sou eu mesmo: e, se assim acontece, a vós o devo e à bondosa Princesa! Não se apoquente senhor D. Francisco. Já resolvi casos muito difíceis e tenho esperanças que, se Deus quiser, hei-de curá-la Preciso de vê-la já, para que possa vir hoje e ficar internada num quarto particular. Aqui na América, em oftalmologia, fazem-se milagres!

- Provavelmente já te não conhece, pois mal distingue os vultos.

- Também será conveniente que não me reconheça; pode fazer-lhe mal a menor comoção.

Mas quem mais se impressionou foi o Carlos, que não se conteve e chorou ao ver a sua amiguinha naquele estado tão lastimoso!

Internada na Clínica, e acompanhada de sua mãe, uma nova operação teve de ser efectuada, decorrendo satisfatoriamente, pelo que o Dr. Carlos andava muito entusiasmado. Passado um mês tiraram-se a venda dos olhos, e ela, radiante de alegria – disse a sua mãe:

- Tenho a impressão que já vejo a mãezinha quase perfeitamente! Por favor, traga-me, aqui, o médico que me operou. Quero agradecer-lhe, quanto de bem fez por mim!

- Efectivamente, tem sido uma pessoa incansável; olha, que até mandou vir de Londres um medicamento preciso que cá não tinha e te fez muito bem – respondeu, comovida, a mãe da Maria Gabriela.

Na imaginação da jovem vivia ainda a imagem de Carlos, e, instintivamente: – continuou – a sua voz faz-me lembrar o timbre de uma pessoa especial, que eu conheci há anos…

 

- Por vezes deparamos com vozes semelhantes – volveu a mãe. Disfarçando… Sabes, Maria Gabriela, quem se encontra cá, na América?

- Não posso adivinhá-lo… mas quem sabe, talvez o Carlos?!...

- Ele mesmo: que hoje deve vir visitar-nos, telefonou ao paizinho – a dar-nos a boa notícia.

- Oh, mãezinha, que grande satisfação me deu! Pareço voltar aos meus tempos felizes!...

Era já perto da noite, quando, D. Francisco, entrou no quarto, seguido do Dr. Carlos Sousa, o solícito médico que fez o milagre de lhe restituir a vista!... Tu não falas, Maria Gabriela? Ficaste admirada?! Também eu me espantei bastante, quando entrei nesta clínica e me vi perante a sua presença!

- Mas nós não estaremos loucos? Os meus olhos já estarão a ver bem? Será o meu amigo Carlos, a quem fico devendo a minha extraordinária cura? Já o tinha suspeitado, mas custa-me a acreditar!...

- É verdade, minha senhora. O destino assim o quis. Hoje, e com muita razão, todos estamos imensamente felizes! – exclamou o Carlos, - desejoso de abraçar a Maria Gabriela.

 

- Vê, paizinho, como foi bom aproveitar-se este grande talento que andava divagando no deserto?!

- Tens razão, minha filha. Também nunca contrariei o teu desejo, bem sabes.

Passado um mês, estava a Princesa completamente restabelecida e pediu ao pai para que ficassem a viver algum tem tempo mais na América… Estava a custar-lhe sair dali, onde tinha preso o coração.

Quando o ex-rei foi, depois, pedir a conta à Clínica, o Dr. Carlos de Sousa – declarou:

- Nada me deve, senhor D. Francisco; a conta já está paga. Eu é que ainda lhe devo muito! Dívida essa que nunca conseguirei liquidar, por longos anos que eu viva. Quero apenas solicitar que me autorize novamente a corresponder-me com a Maria Gabriela.

- Tens desde já o meu consentimento e podes ir vê-la sempre que desejas. O seu pedido vamos ficar nos Estado Unidos mais uma temporada e, em nossa casa, serás sempre recebido como um príncipe… que fez de mim e de minha mulher, os pais mais ditosos da Terra. Só agora descobrimos porque que tem ela rejeitado propostas de casamentos de príncipes, Condes e Duques de diversos países. Sabes? Carlos, São amores antigos… Ainda ontem me afirmou – que só gostava de ti.

- Deixe-me beijar-lhe as mãos, pela boa nova que me dá. Digo-lhe senhor D. Francisco: desde que vossa Majestade me proibiu de escrever a sua filha, já não tencionava casar-me. Desta maneira, sinto-me, agora, o homem mais feliz do mundo.

Decorridos seis meses, combinaram o casamento e os noivos andavam radiantes de felicidade! Ambos altos e bonitos, faziam um par muito gentil e interessante! Como era filha única, resolveram radicarem/se todos na América do Norte.

 

E certo dia lá na terra, o velho jardineiro lia, junto de sua mulher e da filha, uma carta do Carlos. Participava/lhe ele, o auspicioso enlace e a decisão de virem passar uns dias, da lua-de-mel, com eles. Comovido e limpando as lágrimas a lavarem-lhe o rosto, o bom homem – dizia a sua mulher:

- Era muito boa menina!... Era muito boa menina!... Ainda bem, que o nosso filho foi capaz de recuperar-lhe a visão. É um grande especialista, sem dúvida nenhuma. Tenho muito orgulho nele.

E ela – lembrou ainda, muito satisfeita, sorrindo:

- E temos que dar também um jeitinho à casa e fazer algumas obras…

Isto, de receber uma Princesa, não é nada fácil…

 

- É verdade, minha mãe. Temos de alindar a casa para recebermos, não só a Princesa, mas também o”Príncipe” Carlos… – dizia a Rosa – também bastante entusiasmada…

 

- Era muito boa menina!... Era muito boa menina!... Tornava a dizer o bom homem, Acácio.

AS GÉMEAS

14.09.09, canticosdabeira

MURMÚRIOS DO CEIRA

 

XIX

 

AS GÉMEAS

 

 

A verdade - que por isso se pinta despida - não sabe encobrir, nem

fingir nem enfeitar, nem corar e muito menos enganar. C.C.S.

 

Ana Rita, uma menina rica, viva e engraçada e com oito anos risonhos, morava com os pais numa linda vivenda nas imediações da cidade, Sempre vestida de roupa de marca, sapatinhos brancos e lacinhos na cabeça, era um encanto ver a Ritinha a caminho do Colégio de Santa Catarina, conduzida por um motorista impecavelmente fardado.

 

Apesar de inteligente não gostava muito de frequentar as aulas e um dia, durante o intervalo resolveu sair o portão para fora e correr para um jardim público, onde encontrou uma menina que já tinha visto em algum lado, muito parecida consigo. Esta criança, mal vestida, despenteada, de sandálias velhas, chamava-se Andreia e andava a vender flores e cestos pela cidade, a mando dos seus pais.: uns ciganos pobres que estavam por ali perto numa tenda, na qual a mãe confeccionava flores e o pai cestos de vime.

 

As meninas eram precisamente idênticas no rosto, nos olhos e no cabelo louro,. Até o timbre da voz era tal qual. Impressionante, mesmo.

 

 

 

A menina rica foi a primeira a reparar nesta particularidade e dirigiu-se assim: - à criança pobre:

 

- Já viste? Somos iguaizinhas! Aquilo a que chamam sósias! E se trocássemos as roupas, poderíamos fazer uma partida aos nossos pais…

 

- Não me importo. O teu vestido é mais bonito do que o meu. E os sapatos são melhores, Até gosto já que temos a mesma e somos amigas respondeu a Andreia, entusiasmada.

 

Trocada a roupa e o calçado, a Ritinha, depois de pentear a Andreia e pôr-lhe o lacinho azul a condizer com um o vestido, abalou por ali fora, com o cabelo em desalinho, a oferecer as flores e os cestinhos e, com um certo jeito para o negócio…

 

 

 

Entretanto, no Colégio deram por falta da Ana Rita e foi logo dado conhecimento aos pais, de que ela havia fugido do Colégio, durante o intervalo. Estes, muito preocupados, avisaram a polícia que iniciou as buscas, tendo a mãe ido dar com a Andreia no Parque, vestida de Ana Rita… Logo, suposta mãe, lhe pegou pela mão, dizendo:

 

- Ritinha, porque fugiste do Colégio?

 

- Senti-me mal e vim até ao jardim, mas não me ralhe, pois não?

 

- Desta vez vamos perdoar-te, mas não voltes a repetir a façanha, está bem? Eu e o teu pai andávamos muito aflitos por não sabermos de ti, minha filha. Até lembrávamos a Nossa Senhora e S. José à procura do Menino Jesus, em Jerusalém…

 

 

 

Chegados a casa, notou a senhora, muito admirada, que a menina não estava limpa e mandou uma criada dar-lhe banho. Depois do jantar, foram deitá-la num quarto cheio de bonecas e peluches. Andreia sorria deslumbrada como num sonho cor-de-rosa, ao ver-se no meio de tantos brinquedos, qual deles o mais bonito. Mas, ao mesmo tempo, sentia-se triste e saudosa do seu meio ambiente. Os “pais” não eram amorosos e até batiam, às vezes, mas gostava de andar pela rua a vender cestinhos e flores.

 

No dia seguinte estranharam os senhores verem a menina triste, sem vontade de brincar e também de comer à mesa com eles.

 

Levaram-na, então, a passear de carro e compraram-lhe um vestido branco, bordado com rosas e muito bonito. Mas, por mais mimos que lhe dessem, nada a alegrava e satisfazia…

 

Em face de tão estranho comportamento, foi chamado um pediatra particular, que informou os “pais” ter a menina sofrido um abalo emotivo, aconselhando-os a irem com ela passar um período de férias no estrangeiro.

 

Estavam já todos três no Aeroporto, com as malas, quando a criança decidiu contar toda a verdade, - acrescentando ainda:

 

- Eu não vou no avião, porque não sou a vossa filha! Este facto, surpreendente, entristeceu, naturalmente, o casal.

 

Enquanto isso, em casa dos ciganos, a Ana Rita não se adaptava também è vida de pobre e levava pancada se aparecia na tenda sem que tivesse vendido todas as flores e cestos que havia levado para a Praça. De igual modo, não gostava da comida que lhe davam, chegando mesmo a dizer;

 

- Isto é comida para cães!...

 

Profundamente arrependida da iniciativa que tomara, queria ver-se de novo na sua casa e com os seus verdadeiros pais.

 

Naquela tenda existia uma pequena Televisão que o cigano havia roubado numa loja de electrodomésticos. Em dado momento, a Ana Rita viu os pais no Aeroporto prestes a tomarem o avião com destino à Tailândia: um país maravilhoso!

 

Então a criança sai da tenda a toda a pressa, sem que notassem a sua fuga momentânea. Já na rua, manda parar um Táxi, mete-se dentro dele e conta ao motorista o sucedido, indicando que seguisse rumo do Aeroporto.

 

Ali, em correria doida, chama em voz alta pela sua mãe!

 

- Mãezinha! Estou aqui! Sou a Ana Rita!

 

Os pais perante as duas meninas tão semelhantes e ao vê-las tão alegres, recordaram, estupefactos, a tragédia do rapto da sua filha gémea, na Maternidade, que, apesar de tantas diligências policiais, não foi encontrada. E já lá vão mais de oito anos! Agora, a viagem ao Estrangeiro ia ser adiada para outra ocasião, por motivo das formalidades legais.

 

Efectuadas as análises clínicas ao sangue e vários exames, comprovou-se o roubo de Andreia, que aceitou de bom grado a situação e ficou toda contente por se sentir melhor acarinhada e estimada pelos seus verdadeiros pais e mana. Teria de ir estudar e aprender novos métodos de criança rica, mas isso não era problema de maior. Tudo se iria resolver e bem, com professores especiais. Quanto aos ciganos, que confessaram o furto, foram detidos preventivamente, afim de serem julgados e lhes ser dada a punição devida e imposta pela lei vigente.

 

Então, dizia a Ritinha, – muito satisfeita, a sua irmã;

 

- E eu, que não sabia que era gémea de alguém... Os paizinhos nunca me contaram a história do roubo de outra filha! Vês, como deu bom resultado a nossa brincadeira? Sem ela jamais virias para a nossa companhia e continuarias a sofrer na barraca dos ciganos.

 

- Sim, mas tenho pena que fossem para a cadeia – respondeu a Andreia, que era uma criança muito terna e ainda se impressionou com o que aconteceu àqueles a quem sempre tratou por pais.

 

- Não penses mais nisso, Andreia. Qualquer dia eles saem da cadeia e nós vamos à Tailândia – disse-lhe a Ritinha, com o fim de ver a mana mais animada, - acrescentando ainda: - Um dia destes, havemos de ir vê-los à prisão e levamos-lhe bolos…

 

 

 

As crianças, com a sua ingenuidade e bondade, são a coisa melhor do mundo! Pena é que os adultos não lhes sigam o exemplo – atentamente – os seus sentimentos magnânimos, - e, tantas vezes, as façam sofrer cruelmente.

 

 

 

Dias depois, os jornais diários traziam a notícia com a fotografia das duas irmãs gémeas, transbordando felicidade, a abraçarem-se no meio dos seus pai, mais felizes, evidentemente, por terem recuperado a sua outra menina, a qual iria ser registada com o lindo nome de Maria Inês.

 

 

 

O FANTASMA DO TEMPO

13.09.09, canticosdabeira

MURMÚRIOS DO CEIRA

XX

 

O "FANTASMA DO TEMPO"

 

O Amor é a plenitude da bondade. C.B.S.

 

Há quem imagine o tempo um “fantasma velhinho”, de barbas brancas e o ilustre curvado e amparado a uma velha bengala já carcomida e lustrosa de uso… que, desde sempre, serviu de apoio aos mais debilitados. É esse velhinho, de forma ancestral e humana, que hoje se olha de lado… e sem que se lhe preste a veneração devida, Um ser muito querido que já brincou, saltou, cantou, trabalhou bastante e agora mal arrasta os pés, a caminho de um Lar…ou talvez da última morada… com os olhos magoados de pranto, mas que sabe ainda, pela experiência, muito bem aconselhar.

 

Assim falou aquele avozinho certo dia ao neto, um menino de nove anos – que, muito curioso, lhe perguntou:

- Porque tens tão poucos cabelos na cabeça?

- Olha, Pedro Miguel: perdi-os pelo caminho e o vento os levou… Quando era da tua idade, também tinha uma farta cabeleira, encaracolada, como a tua!

- E por que são brancos, avô, os pelos da cara?

- Porque o tempo os gastou, depois de trinta mil dias de preocupações e sacrifícios, fê-los perder o vigor, até que se tornaram pálidos e brancos. Pareço um Fantasma, não é, Pedro Miguel? O tempo tem em mim, praticamente, cumprida a sua missão. Agora, brincas tu com ele às escondidas… mais os teus companheiros, e quase não dás pela sua presença… Corres muito, Pedro, mas ele voa como um passarinho!...

- Mas eu não o vejo voar, meu avô!

- Sabes Pedro Miguel, ele é invisível, mas deixa marcas profundas. Para ti, ele agora é ainda uma coisa, absolutamente, abstracta, que te faz crescer e fazer um rapaz belo e sonhador, depois um homem forte, com filhos e netos à tua volta. Mas tarde, começa a “correr veloz”, a abalar a saúde e a assinalar todo o ser vivente que permanece mais tempo na Terra; mas renova-se todos os dias em novas vidas e quando surge a mais linda estação do ano: a Primavera que vai e volta sempre! Tu, agora, Pedro, és a minha Primavera florida! Quase ninguém gosta de morrer cedo ou ser velho. Mas é a lei da vida e do tempo, meu amor. O que é preciso é saber aproveita-lo a fazer coisas boas, que nos dignifiquem a Vida, sem nunca manchar a nossa honra.

- O que é a honra, avô?

- A honra, Pedro Miguel, é um sentimento de Bem e harmonioso, que nos leva a merecer a estima e a admiração das outras pessoas. É como seja uma distinção que se vai adquirindo pelo cumprimento da palavra dada, (palavra de honra) pela prática da verdade; da gratidão; da solidariedade; bom comportamento moral; educação; feitos de trabalhos artísticos e das boas acções que poderão ser também de benemerência. Tudo isto reflecte a honra, que nos torna considerados e respeitados no meio social em que vivemos e não só.

- Já sei, avô. A honra pode ser vista de muitas maneiras: como fazermos um trabalho de Escola muito perfeito a merecer um valor alto; Ajudar alguém que precisa de nós, como fazem os Escuteiros, os Bombeiros Voluntários etc. estudar muito para passar o ano com boas notas; receber diplomas de honra por ter salvo a vida de alguém. Tudo isto, e não só… são acções boas que merecem a honra e a estima daqueles que nos conhecem, não é assim?”

 

- Estou orgulhoso de ti, meu neto. Agora, que já percebeste o que é a honra, faz sempre por ser digno dela, para que um dia mais tarde possas ter alguém a respeitar-te e a ajudar-te a descer a ladeira íngreme das “noites da Vida”, tal como eu já vou descendo.

O tempo, que me transformou em “Inverno” triste e feio é, todavia, lógico e racional, tal como um juiz que decide com ponderação e faz cumprir a ordem moral das coisas, contemplando TODOS com imparcialidade rigorosa. Sim, dentro do tempo não reina a traficância… e nem pode comprar-se a juventude, a qualquer preço, Como falámos na honra, também ela aqui prevalece, É verdade que o tempo não atina sempre com a nossa precisão atmosférica, mas isso… são leis da Natureza a quem também o tempo está subjugado.

 

Do “tempo”, Pedro, já não resta a saudade. Sou como tantos, um “Inverno” sombreado… – que espera a misericórdia de Deus, para me abrigar no seu radioso Sol…

 

Não fiques triste, Pedro Miguel, Tens ainda muitos dias para jogar a bola… e viveres com alegria. Serve-te deles bem e vive-os sempre com humildade, ternura e Amor pelos outros.

 

Um simples diálogo que o “tempo” mascarado de velho e sentencioso como é, aproveitou para dar uma lição a uma criança curiosa, como todas da sua idade, afim de que saiba como comportar-se na vida e o que o espera quando um dia for avô e vier a parecer-se também com um “fantasma” do “tempo”, na Terra!

 

TEMPO DE PÁSCOA

13.09.09, canticosdabeira

MURMÚRIOS DO CEIRA

XXI

 

TEMPO DE PÁSCOA

 

 

Se a Amizade não perdoa um pequeno defeito,

O afecto não é perfeito. C.B.S.

Sábado de Pascoela. A jovem Catarina foi passear com o cãozinho até ao jardim e sentou-se num banco. Para melhor se distrair, culturalmente, havia levado um jornal da região: “O Varzeense”, e começou a ler um artigo que lhe despertou o interesse, cujo título era “Quadra Pascal”. Eis o texto:

 

“Terminado o tempo penitencial e da Paixão, eis-nos ainda no mistério da Ressurreição de Jesus!

Quadra Pascal a reaparecer para a Vida, porquanto ressurge também a Primavera luminosa e florida, alindando os vales e outeiros da nossa terra.

As donas de casa capricharam nos arranjos do lar, para nestes dias de Páscoa, a família inteira receber – condignamente – a cruz de Cristo, que veio recordar-nos o oferecimento voluntário de Jesus, em favor da humanidade pecadora.

Nestas sete semanas, que antecederam o milagre da Ressurreição, será que houve tempo para meditação do espírito? Ler um livro conceituoso? Consolar um triste e um idoso? Remediar um necessitado? Aconselhar um jovem, um drogado? Visitar um familiar, um doente? E ainda para se fazer uma boa reconciliação com Deus, falar Dele e da sua magnanimidade a quem o desconhece?

Se, efectivamente, no nosso dia a dia acelerado, descuidamos a prática destas boas intenções, com certeza que Jesus sentiu imenso desgosto, de não poder ressuscitar dentro de nós.

A Páscoa que significa “Passagem” e os judeus celebram também, desde a sua saída do Egipto, requer uma vivência em profundidade,

Não se pode festejar um acontecimento - tão importante - apenas com refeições melhoradas, decorações na casa e vestuário aprimorado. Em nossa modesta opinião, a Ressurreição de Jesus deve comemorar-se, sobretudo, arrumando e limpando escrupulosamente a alma e, do mesmo modo, vestindo-a de roupagens brancas e puras a condizer com o nosso fato novo que estreámos Domingo de Páscoa.

Assim acontecerá em nós a verdadeira Ressurreição de Cristo, numa alegre quadra Pascal!”

 

 

Após a leitura, e meditar bem no seu conteúdo, Catarina – disse de si para si:

- Que poderei fazer para, devidamente, celebrar também a minha Páscoa?... De repente veio-lhe á memória uma sugestão válida que poderia, talvez, pôr em prática. Aconselhar um jovem drogado a recuperar-se… Iria tentar, até porque conhecia um amigo e companheiro de Escola – o Luís, que já há algum tempo a esta parte, andava enveredando por caminhos escabrosos… Deixou de estudar, deu desgosto à família, abandonou a casa e divaga hoje, por aí, sem rumo de vida, quase a desfalecer de físico e de moral.

Decorrido um ano, apenas, o Luís já não parece o mesmo. Ele, que era um rapaz impecável, atilado, cumpridor e estudioso, tornou-se um “farrapo” impressionante! Tinha sido, mesmo, um dos seus melhores amigos.

Catarina decidiu, a todo o custo, contactá-lo, Tinham-lhe dito que ele costumava ir para os lados da Gala e, já, não se deteve sem concretizar este projecto ambicioso, que retinha na mente.

No dia seguinte, disse a sua mãe:

- Escolhi hoje o dia para ir fazer umas compras, de que preciso… A mãe não esteja preocupada se eu demorar, pois devo almoçar em casa da minha amiga, Graça Maria.

- Está bem – mas não quero que venhas tarde.

Com destina àquelas bandas do infortúnio, encheu-se de coragem e foi…Havia por ali muitos jovens, mas logo o reconheceu e chamou-o de longe:

- Luís! Luís! Chaga aqui, se fazes o favor.

O rapas, imediatamente, abeirou-se dela e perguntou:

- Que me queres, Catarina?

-Venho convidar-te para vires almoçar comigo, aceitas? – Há mais de “sete Janeiros” que não nos vimos – alvitrou a Catarina.

- Não estou em forma, para entrar num Restaurante – repara, mas aceito. Há tanto tempo que não almoço bem…

Apesar de ser ainda cedo para almoçarem, a Catarina já não o largou mais… – dizendo-lhe:

- Anda, vamos. Falta ainda cerca de uma hora para o almoço, mas esperamos além no banco do jardim, onde; às vezes, costumo descansar um pouquinho mais o meu cão que, quando me vê sair de casa, logo se põe em ânsias e aos saltos para me acompanhar.

- Ah, tens agora um cão? Como se chama?

. Piloto. Era vadio como tu… Numa noite de chuva torrencial, dei-lhe guarida, confortei-o e não mais me largou. É agora um grande amigo meu a portar-se lindamente. Os cães são muito inteligentes e dedicados, sabias?

- Sim, sei. Por vezes até mais dedicados do que as pessoas – respondeu o Luís.

Já sentados no banco, a Catarina pretendendo iniciar a conversa que a levou ali, meio a sério e meio a brincar – disse-lhe:

- Lembras-te, Luís, das brincadeiras que tínhamos na Escola? E daquela vez em que escondemos a régua à senhora Professora e estragamos as “orelhas de Burro” que ela tinha guardadas no armário? Éramos muito travessos!

- E ainda sou, Catarina! Tu portas-te melhor do que eu que deixei os estudos, a minha famílias, a minha casa, tudo, enfim a troco duma “mistela” qualquer… que me vai consumindo, dia a dia, a existência e convertendo-me a zero.

Estava assim facilitado o propósito da Catarina que logo aproveitou o ensejo para encetar a conversa com o seu Amigo.

-Eu sei, Luís, que tens andado um bocadinho arredado do rumo certo – mas ainda estás a tempo de abrir os olhos a um projecto de vida decente, Tenho-me lembrado de ti, e sinto pena da tua situação tão precária. Disseram-me que a tua mãe sofre muito e está uma velhinha feita. Não te desgosta saber isso? Ela, que foi sempre tão amorosa contigo?

- Desgosta-me muito, Catarina! Penso que ela não sabe duma terça parte e oxalá não tenha consciência, ao menos, das detenções a que já estive sujeito por diversas vezes. Pensei já em regressar a casa, pois sei que a minha mãe me abriria as portas, de bom brado, mas tenho receio do meu irmão mais velho.

- Eu trato disso, Luís, e vou-te dando notícias, Amanhã é Domingo. Fica combinado estarmos aqui neste local e à mesma hora. Assistimos à missa e voltamos a almoçar juntos, no mesmo Restaurante.

- E tornas-me a pagar o almoço, Catarina? – Perguntou o Luís, sorrindo,

- Pago sim. Isso que tem? Eu agora trabalho de dia e estudo à noite. Sobrevivo já à minha custa e ainda auxilio a família.

- Em que trabalhas?

-- Empreguei-me na Caixa Geral de Depósitos, mas presentemente estou de férias.

- Vales mais do que eu, Catarina!

- Está bem. Mas espero que venhas a valer mais do que eu. E agora vamos ao almoço, que já estou com fome.

Durante o repasto, ninguém falou em coisas tristes, para que reinasse, entre Amigos, um pouco de boa disposição. O Luís agradeceu à sua amiga estes momentos de agradável convívio, que o deixaram imensamente satisfeito.

Conforme haviam tratado, no dia seguinte e à mesma hora, lá estavam no local exacto para assistirem à missa Dominical e almoçarem no citado Restaurante. A Catarina ficou radiante por ele ter chegado ainda um bocadinho mais cedo do que ela. O método estava a surtir efeito.

Após a celebração da missa, e lá no Altar, dois rapazes explicaram À Assembleia o seu testemunho de ex – drogados e agora membros válidos de socorro em casas de reabilitação. Solicitavam auxílio através de venda de livros, folhetos informativos, etc. Até parecia estar a acontecer um milagre de coisas – a favor da causa…

Segundo contou a Luís, estes dois jovens eram seus conhecidos, e foi para ele uma surpresa saber da sua reinserção social. Então, - dizia-lhe a Catarina:

- Vês como são felizes neste momento, e úteis à Sociedade?! Conforme li, esta Associação tem já 700 jovens nos seus Centros de recuperação e esta actuar com êxito. Espero que medites e sejas mais um a descobrir a sua verdadeira identidade. Se for necessário algum tratamento especial, eu conheço um padre amigo que se interessa bastante pela reabilitação de jovens tóxico-dependentes, em crise.

Amanhã vou ver se arranjo a maneira de falar-lhe no assusto. Sabes, eu quero ajudar-te, mas é preciso que adquiras força de vontade, para vencermos esta batalha… As hostilidades, com a tua família, deixa comigo. No próximo Domingo, e sempre que esteja disponível, prometo encontrar-me contigo, afim de trocarmos impressões e dizer-te da alegria da tua mãe, caso decidas ir despedindo-te da droga… Aceitas o desafio?

- Vou ver se consigo, Catarina. Domingo. já te posso dar uma resposta concreta. Pelo menos, saio daqui – com um radioso sonho na mente.

Graças a Deus estava traçado o caminho para que, no espírito de Luís, ressurgisse, em tempo de Páscoa, uma alma nova – para uma Vida de Esperança e Felicidade!

Quantos mais não estarão também a precisar de uma mão Amiga, que os ajude a colocar nos olhos sensações vivas de equilíbrio, fazendo-os caminhar por uma estrada luminosa, livre de abrolhos e perigos?!

Quem o conseguir, obviamente que ilustra uma página interessante na história da sua Vida. A Catarina – uma rapariga exemplar – estava a tentar escrever a sua em letras de ouro e a dar provas de uma grande e desinteressada Amizade e – simultaneamente - a celebrar também, com esta acção dignificante, o seu Tempo de Páscoa.

Quem segue na vida este propósito de ajuda. – “Bem vale a pena viver”!

CARTA DA INÊS

13.09.09, canticosdabeira

MURMÚRIOS DO CEIRA

XXII

CARTA DA INÊS

 

Se falta uma rosa na roseira, esta fica mais triste

   e perde algo da sua graça. C.B.S.

  

A casa da Inês, toda enfeitada de glicínias na varanda, estava agora muito triste por dentro… e ela volta e meia, - dizia à sua mãe:

- Mãezinha, a pomba branca já está outra vez a arrulhar e a dançar na janela da varanda. Será, que nos quer dizer alguma coisa da Cecília?!

A Maria Cecília havia partido para o Céu há cerca de três meses e com oito anos incompletos, deixando a Inês, sua mana gémea e os pais mergulhados na mais incomensurável dor! Então a mãe, a D. Graça, que chorava às escondidas da filha, - dizia-lhe para a não ver tão triste:

- A Cilinha voou como uma pomba e um dia poderá voltar…

- Se eu soubesse, mãezinha, que esta pomba seria capaz de levar uma carta pequenina à mana, eu tentava escrever-lhe. Ah, já, sei; mas tem de ser num papel bonito com flores e passarinhos, que a menina Catequista me deu e tenho no meu quarto.

A Inês, após esta conversa com a mãe, que de tão comovida, as palavras ficaram-lhe atravessadas na garganta, subiu a escada do segundo andar, a toda a pressa, procurou a folhinha e começou a escrever assim:

 

Saudosa Maninha

“Desde que foste para o Céu, a nossa casa, que tem as glicínias em flor, ficou mais triste… É tempo de férias e não me apetece brincar com mais ninguém. Só contigo é que eu gostava de jogar às pedrinhas.

À mesa de jantar a tua cadeira continua vazia… Porque não vens? Na caminha que era tua também, fica sempre o teu lugar, porque poderás chegar a qualquer momento. Se eu dormir, acorda-me, sim? Quero encher os meus olhos de ti… A mãe diz que foste há três meses. Três meses são muitos dias, não são?

O vestido cor-de-rosa de folhos, não mais o vesti. Sabes? Sinto saudades que não vistas também o teu! Gostavas tanto dele. Tem uma pomba bordada na frente, lembras-te?

Tenho muita pena que não estejas cá no dia da nossa Senhora das Candeias, que é o dia em que fazemos os nossos anos. Como sabes, a mãe faz sempre um bolo de nozes que nós gostamos muito. O pai, que dantes brincava connosco, anda sempre a olhar para o chão… E, às vezes, vejo-o limpar os olhos com um lenço…

Olha, pede a Jesus que te deixe voltar para casa; conta-lhe que tens de estudar e dar alface ao teu grilo, que não mais cantou na gaiola… e pode morrer. Também não temos ouvido o piriquito amarelo.

O Céu deve ser lindinho com os Anjos a cantarem. Diz como passas o tempo e se cantas e brincas com eles?!  A mãezinha tem pedido muito à Nossa Senhora do Carmo para que estejas bem.

Lembras-te, quando andávamos as duas no quintal a fazer raminhos de violetas e o pai, às vezes, nos tirava o retrato no meio do jardim e nos trazia às cavalitas? Violetas, são as flores que nós gostávamos mais. As roxas, então, têm um cheirinho tão bom! Agora, sou eu que enfeito a jarrinha do quarto, que tem a santa Teresinha com uma flor branca na mão. Mas ela já deve ter notado a tua falta. Às vezes peço-lhe que me deixe ir ver-te, mas ela só se sorri… Também não tenho asas para voar… Como voaste? Se foste nas asas de um passarinho, pede-lhe para voltares para casa. A mãezinha diz que a santa Teresinha está no céu. Já a viste?

Vou contar-te uma coisa, Cecília: vem todos os dias, de tarde, uma pombinha branca arrulhar e dançar na janela da varanda e até parece que quer falar-nos. Amanhã vou mandar por ela esta carta que vai cheia de penas nossas. Fico à espera que digas como é Jesus, como são os Anjos, como é o Céu e se tem flores muito bonitas como as do nosso jardim.

A prima Luísa manda-te um chi-coração muito apertadinho. Beijinhos sem conta… dos paizinhos e da mana que fica olhando o Céu, para ver quando chega a pombinha com notícias tuas.

                                                      Inês

Com a carta feita, mostrou-a a sua mãe que não se conteve sem chorar. Foi, então, colocá-la na janela para que a pombinha branca, quando estivesse sozinha, a levasse para o Céu… E assim teria sucedido, por que a carta desapareceu do peitoril da janela…

Passaram dias e semanas, até, e a pomba só veio, depois, arrulhar e dançar uma vez no dia da Senhora das Candeias… Após este dia, ninguém mais a viu arrulhar na janela da varanda. Que teria acontecido?!

 

Pensa a Inês que a pomba veio mostrar-se muito contente no dia dos seus anos, como a dizer que a Cecília estava a cantar com os Anjos no Céu!

 

 

 

                                                 

Pág. 1/2