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À BEIRA DO RIO CEIRA

Blogue iniciado pela autora, Clarisse Barata Sanches, a exímia poetisa de Góis, falecida a 25 de dezembro de 2018. Que permaneça intacto em sua homenagem.

À BEIRA DO RIO CEIRA

Blogue iniciado pela autora, Clarisse Barata Sanches, a exímia poetisa de Góis, falecida a 25 de dezembro de 2018. Que permaneça intacto em sua homenagem.

CARTA DA INÊS

13.09.09, canticosdabeira

MURMÚRIOS DO CEIRA

XXII

CARTA DA INÊS

 

Se falta uma rosa na roseira, esta fica mais triste

   e perde algo da sua graça. C.B.S.

  

A casa da Inês, toda enfeitada de glicínias na varanda, estava agora muito triste por dentro… e ela volta e meia, - dizia à sua mãe:

- Mãezinha, a pomba branca já está outra vez a arrulhar e a dançar na janela da varanda. Será, que nos quer dizer alguma coisa da Cecília?!

A Maria Cecília havia partido para o Céu há cerca de três meses e com oito anos incompletos, deixando a Inês, sua mana gémea e os pais mergulhados na mais incomensurável dor! Então a mãe, a D. Graça, que chorava às escondidas da filha, - dizia-lhe para a não ver tão triste:

- A Cilinha voou como uma pomba e um dia poderá voltar…

- Se eu soubesse, mãezinha, que esta pomba seria capaz de levar uma carta pequenina à mana, eu tentava escrever-lhe. Ah, já, sei; mas tem de ser num papel bonito com flores e passarinhos, que a menina Catequista me deu e tenho no meu quarto.

A Inês, após esta conversa com a mãe, que de tão comovida, as palavras ficaram-lhe atravessadas na garganta, subiu a escada do segundo andar, a toda a pressa, procurou a folhinha e começou a escrever assim:

 

Saudosa Maninha

“Desde que foste para o Céu, a nossa casa, que tem as glicínias em flor, ficou mais triste… É tempo de férias e não me apetece brincar com mais ninguém. Só contigo é que eu gostava de jogar às pedrinhas.

À mesa de jantar a tua cadeira continua vazia… Porque não vens? Na caminha que era tua também, fica sempre o teu lugar, porque poderás chegar a qualquer momento. Se eu dormir, acorda-me, sim? Quero encher os meus olhos de ti… A mãe diz que foste há três meses. Três meses são muitos dias, não são?

O vestido cor-de-rosa de folhos, não mais o vesti. Sabes? Sinto saudades que não vistas também o teu! Gostavas tanto dele. Tem uma pomba bordada na frente, lembras-te?

Tenho muita pena que não estejas cá no dia da nossa Senhora das Candeias, que é o dia em que fazemos os nossos anos. Como sabes, a mãe faz sempre um bolo de nozes que nós gostamos muito. O pai, que dantes brincava connosco, anda sempre a olhar para o chão… E, às vezes, vejo-o limpar os olhos com um lenço…

Olha, pede a Jesus que te deixe voltar para casa; conta-lhe que tens de estudar e dar alface ao teu grilo, que não mais cantou na gaiola… e pode morrer. Também não temos ouvido o piriquito amarelo.

O Céu deve ser lindinho com os Anjos a cantarem. Diz como passas o tempo e se cantas e brincas com eles?!  A mãezinha tem pedido muito à Nossa Senhora do Carmo para que estejas bem.

Lembras-te, quando andávamos as duas no quintal a fazer raminhos de violetas e o pai, às vezes, nos tirava o retrato no meio do jardim e nos trazia às cavalitas? Violetas, são as flores que nós gostávamos mais. As roxas, então, têm um cheirinho tão bom! Agora, sou eu que enfeito a jarrinha do quarto, que tem a santa Teresinha com uma flor branca na mão. Mas ela já deve ter notado a tua falta. Às vezes peço-lhe que me deixe ir ver-te, mas ela só se sorri… Também não tenho asas para voar… Como voaste? Se foste nas asas de um passarinho, pede-lhe para voltares para casa. A mãezinha diz que a santa Teresinha está no céu. Já a viste?

Vou contar-te uma coisa, Cecília: vem todos os dias, de tarde, uma pombinha branca arrulhar e dançar na janela da varanda e até parece que quer falar-nos. Amanhã vou mandar por ela esta carta que vai cheia de penas nossas. Fico à espera que digas como é Jesus, como são os Anjos, como é o Céu e se tem flores muito bonitas como as do nosso jardim.

A prima Luísa manda-te um chi-coração muito apertadinho. Beijinhos sem conta… dos paizinhos e da mana que fica olhando o Céu, para ver quando chega a pombinha com notícias tuas.

                                                      Inês

Com a carta feita, mostrou-a a sua mãe que não se conteve sem chorar. Foi, então, colocá-la na janela para que a pombinha branca, quando estivesse sozinha, a levasse para o Céu… E assim teria sucedido, por que a carta desapareceu do peitoril da janela…

Passaram dias e semanas, até, e a pomba só veio, depois, arrulhar e dançar uma vez no dia da Senhora das Candeias… Após este dia, ninguém mais a viu arrulhar na janela da varanda. Que teria acontecido?!

 

Pensa a Inês que a pomba veio mostrar-se muito contente no dia dos seus anos, como a dizer que a Cecília estava a cantar com os Anjos no Céu!