TEMPO DE PÁSCOA
MURMÚRIOS DO CEIRA
XXI
TEMPO DE PÁSCOA
Se a Amizade não perdoa um pequeno defeito,
O afecto não é perfeito. C.B.S.
Sábado de Pascoela. A jovem Catarina foi passear com o cãozinho até ao jardim e sentou-se num banco. Para melhor se distrair, culturalmente, havia levado um jornal da região: “O Varzeense”, e começou a ler um artigo que lhe despertou o interesse, cujo título era “Quadra Pascal”. Eis o texto:
“Terminado o tempo penitencial e da Paixão, eis-nos ainda no mistério da Ressurreição de Jesus!
Quadra Pascal a reaparecer para a Vida, porquanto ressurge também a Primavera luminosa e florida, alindando os vales e outeiros da nossa terra.
As donas de casa capricharam nos arranjos do lar, para nestes dias de Páscoa, a família inteira receber – condignamente – a cruz de Cristo, que veio recordar-nos o oferecimento voluntário de Jesus, em favor da humanidade pecadora.
Nestas sete semanas, que antecederam o milagre da Ressurreição, será que houve tempo para meditação do espírito? Ler um livro conceituoso? Consolar um triste e um idoso? Remediar um necessitado? Aconselhar um jovem, um drogado? Visitar um familiar, um doente? E ainda para se fazer uma boa reconciliação com Deus, falar Dele e da sua magnanimidade a quem o desconhece?
Se, efectivamente, no nosso dia a dia acelerado, descuidamos a prática destas boas intenções, com certeza que Jesus sentiu imenso desgosto, de não poder ressuscitar dentro de nós.
A Páscoa que significa “Passagem” e os judeus celebram também, desde a sua saída do Egipto, requer uma vivência em profundidade,
Não se pode festejar um acontecimento - tão importante - apenas com refeições melhoradas, decorações na casa e vestuário aprimorado. Em nossa modesta opinião, a Ressurreição de Jesus deve comemorar-se, sobretudo, arrumando e limpando escrupulosamente a alma e, do mesmo modo, vestindo-a de roupagens brancas e puras a condizer com o nosso fato novo que estreámos Domingo de Páscoa.
Assim acontecerá em nós a verdadeira Ressurreição de Cristo, numa alegre quadra Pascal!”
Após a leitura, e meditar bem no seu conteúdo, Catarina – disse de si para si:
- Que poderei fazer para, devidamente, celebrar também a minha Páscoa?... De repente veio-lhe á memória uma sugestão válida que poderia, talvez, pôr em prática. Aconselhar um jovem drogado a recuperar-se… Iria tentar, até porque conhecia um amigo e companheiro de Escola – o Luís, que já há algum tempo a esta parte, andava enveredando por caminhos escabrosos… Deixou de estudar, deu desgosto à família, abandonou a casa e divaga hoje, por aí, sem rumo de vida, quase a desfalecer de físico e de moral.
Decorrido um ano, apenas, o Luís já não parece o mesmo. Ele, que era um rapaz impecável, atilado, cumpridor e estudioso, tornou-se um “farrapo” impressionante! Tinha sido, mesmo, um dos seus melhores amigos.
Catarina decidiu, a todo o custo, contactá-lo, Tinham-lhe dito que ele costumava ir para os lados da Gala e, já, não se deteve sem concretizar este projecto ambicioso, que retinha na mente.
No dia seguinte, disse a sua mãe:
- Escolhi hoje o dia para ir fazer umas compras, de que preciso… A mãe não esteja preocupada se eu demorar, pois devo almoçar em casa da minha amiga, Graça Maria.
- Está bem – mas não quero que venhas tarde.
Com destina àquelas bandas do infortúnio, encheu-se de coragem e foi…Havia por ali muitos jovens, mas logo o reconheceu e chamou-o de longe:
- Luís! Luís! Chaga aqui, se fazes o favor.
O rapas, imediatamente, abeirou-se dela e perguntou:
- Que me queres, Catarina?
-Venho convidar-te para vires almoçar comigo, aceitas? – Há mais de “sete Janeiros” que não nos vimos – alvitrou a Catarina.
- Não estou em forma, para entrar num Restaurante – repara, mas aceito. Há tanto tempo que não almoço bem…
Apesar de ser ainda cedo para almoçarem, a Catarina já não o largou mais… – dizendo-lhe:
- Anda, vamos. Falta ainda cerca de uma hora para o almoço, mas esperamos além no banco do jardim, onde; às vezes, costumo descansar um pouquinho mais o meu cão que, quando me vê sair de casa, logo se põe em ânsias e aos saltos para me acompanhar.
- Ah, tens agora um cão? Como se chama?
. Piloto. Era vadio como tu… Numa noite de chuva torrencial, dei-lhe guarida, confortei-o e não mais me largou. É agora um grande amigo meu a portar-se lindamente. Os cães são muito inteligentes e dedicados, sabias?
- Sim, sei. Por vezes até mais dedicados do que as pessoas – respondeu o Luís.
Já sentados no banco, a Catarina pretendendo iniciar a conversa que a levou ali, meio a sério e meio a brincar – disse-lhe:
- Lembras-te, Luís, das brincadeiras que tínhamos na Escola? E daquela vez em que escondemos a régua à senhora Professora e estragamos as “orelhas de Burro” que ela tinha guardadas no armário? Éramos muito travessos!
- E ainda sou, Catarina! Tu portas-te melhor do que eu que deixei os estudos, a minha famílias, a minha casa, tudo, enfim a troco duma “mistela” qualquer… que me vai consumindo, dia a dia, a existência e convertendo-me a zero.
Estava assim facilitado o propósito da Catarina que logo aproveitou o ensejo para encetar a conversa com o seu Amigo.
-Eu sei, Luís, que tens andado um bocadinho arredado do rumo certo – mas ainda estás a tempo de abrir os olhos a um projecto de vida decente, Tenho-me lembrado de ti, e sinto pena da tua situação tão precária. Disseram-me que a tua mãe sofre muito e está uma velhinha feita. Não te desgosta saber isso? Ela, que foi sempre tão amorosa contigo?
- Desgosta-me muito, Catarina! Penso que ela não sabe duma terça parte e oxalá não tenha consciência, ao menos, das detenções a que já estive sujeito por diversas vezes. Pensei já em regressar a casa, pois sei que a minha mãe me abriria as portas, de bom brado, mas tenho receio do meu irmão mais velho.
- Eu trato disso, Luís, e vou-te dando notícias, Amanhã é Domingo. Fica combinado estarmos aqui neste local e à mesma hora. Assistimos à missa e voltamos a almoçar juntos, no mesmo Restaurante.
- E tornas-me a pagar o almoço, Catarina? – Perguntou o Luís, sorrindo,
- Pago sim. Isso que tem? Eu agora trabalho de dia e estudo à noite. Sobrevivo já à minha custa e ainda auxilio a família.
- Em que trabalhas?
-- Empreguei-me na Caixa Geral de Depósitos, mas presentemente estou de férias.
- Vales mais do que eu, Catarina!
- Está bem. Mas espero que venhas a valer mais do que eu. E agora vamos ao almoço, que já estou com fome.
Durante o repasto, ninguém falou em coisas tristes, para que reinasse, entre Amigos, um pouco de boa disposição. O Luís agradeceu à sua amiga estes momentos de agradável convívio, que o deixaram imensamente satisfeito.
Conforme haviam tratado, no dia seguinte e à mesma hora, lá estavam no local exacto para assistirem à missa Dominical e almoçarem no citado Restaurante. A Catarina ficou radiante por ele ter chegado ainda um bocadinho mais cedo do que ela. O método estava a surtir efeito.
Após a celebração da missa, e lá no Altar, dois rapazes explicaram À Assembleia o seu testemunho de ex – drogados e agora membros válidos de socorro em casas de reabilitação. Solicitavam auxílio através de venda de livros, folhetos informativos, etc. Até parecia estar a acontecer um milagre de coisas – a favor da causa…
Segundo contou a Luís, estes dois jovens eram seus conhecidos, e foi para ele uma surpresa saber da sua reinserção social. Então, - dizia-lhe a Catarina:
- Vês como são felizes neste momento, e úteis à Sociedade?! Conforme li, esta Associação tem já 700 jovens nos seus Centros de recuperação e esta actuar com êxito. Espero que medites e sejas mais um a descobrir a sua verdadeira identidade. Se for necessário algum tratamento especial, eu conheço um padre amigo que se interessa bastante pela reabilitação de jovens tóxico-dependentes, em crise.
Amanhã vou ver se arranjo a maneira de falar-lhe no assusto. Sabes, eu quero ajudar-te, mas é preciso que adquiras força de vontade, para vencermos esta batalha… As hostilidades, com a tua família, deixa comigo. No próximo Domingo, e sempre que esteja disponível, prometo encontrar-me contigo, afim de trocarmos impressões e dizer-te da alegria da tua mãe, caso decidas ir despedindo-te da droga… Aceitas o desafio?
- Vou ver se consigo, Catarina. Domingo. já te posso dar uma resposta concreta. Pelo menos, saio daqui – com um radioso sonho na mente.
Graças a Deus estava traçado o caminho para que, no espírito de Luís, ressurgisse, em tempo de Páscoa, uma alma nova – para uma Vida de Esperança e Felicidade!
Quantos mais não estarão também a precisar de uma mão Amiga, que os ajude a colocar nos olhos sensações vivas de equilíbrio, fazendo-os caminhar por uma estrada luminosa, livre de abrolhos e perigos?!
Quem o conseguir, obviamente que ilustra uma página interessante na história da sua Vida. A Catarina – uma rapariga exemplar – estava a tentar escrever a sua em letras de ouro e a dar provas de uma grande e desinteressada Amizade e – simultaneamente - a celebrar também, com esta acção dignificante, o seu Tempo de Páscoa.
Quem segue na vida este propósito de ajuda. – “Bem vale a pena viver”!