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À BEIRA DO RIO CEIRA

Blogue iniciado pela autora, Clarisse Barata Sanches, a exímia poetisa de Góis, falecida a 25 de dezembro de 2018. Que permaneça intacto em sua homenagem.

À BEIRA DO RIO CEIRA

Blogue iniciado pela autora, Clarisse Barata Sanches, a exímia poetisa de Góis, falecida a 25 de dezembro de 2018. Que permaneça intacto em sua homenagem.

AS GÉMEAS

14.09.09, canticosdabeira

MURMÚRIOS DO CEIRA

 

XIX

 

AS GÉMEAS

 

 

A verdade - que por isso se pinta despida - não sabe encobrir, nem

fingir nem enfeitar, nem corar e muito menos enganar. C.C.S.

 

Ana Rita, uma menina rica, viva e engraçada e com oito anos risonhos, morava com os pais numa linda vivenda nas imediações da cidade, Sempre vestida de roupa de marca, sapatinhos brancos e lacinhos na cabeça, era um encanto ver a Ritinha a caminho do Colégio de Santa Catarina, conduzida por um motorista impecavelmente fardado.

 

Apesar de inteligente não gostava muito de frequentar as aulas e um dia, durante o intervalo resolveu sair o portão para fora e correr para um jardim público, onde encontrou uma menina que já tinha visto em algum lado, muito parecida consigo. Esta criança, mal vestida, despenteada, de sandálias velhas, chamava-se Andreia e andava a vender flores e cestos pela cidade, a mando dos seus pais.: uns ciganos pobres que estavam por ali perto numa tenda, na qual a mãe confeccionava flores e o pai cestos de vime.

 

As meninas eram precisamente idênticas no rosto, nos olhos e no cabelo louro,. Até o timbre da voz era tal qual. Impressionante, mesmo.

 

 

 

A menina rica foi a primeira a reparar nesta particularidade e dirigiu-se assim: - à criança pobre:

 

- Já viste? Somos iguaizinhas! Aquilo a que chamam sósias! E se trocássemos as roupas, poderíamos fazer uma partida aos nossos pais…

 

- Não me importo. O teu vestido é mais bonito do que o meu. E os sapatos são melhores, Até gosto já que temos a mesma e somos amigas respondeu a Andreia, entusiasmada.

 

Trocada a roupa e o calçado, a Ritinha, depois de pentear a Andreia e pôr-lhe o lacinho azul a condizer com um o vestido, abalou por ali fora, com o cabelo em desalinho, a oferecer as flores e os cestinhos e, com um certo jeito para o negócio…

 

 

 

Entretanto, no Colégio deram por falta da Ana Rita e foi logo dado conhecimento aos pais, de que ela havia fugido do Colégio, durante o intervalo. Estes, muito preocupados, avisaram a polícia que iniciou as buscas, tendo a mãe ido dar com a Andreia no Parque, vestida de Ana Rita… Logo, suposta mãe, lhe pegou pela mão, dizendo:

 

- Ritinha, porque fugiste do Colégio?

 

- Senti-me mal e vim até ao jardim, mas não me ralhe, pois não?

 

- Desta vez vamos perdoar-te, mas não voltes a repetir a façanha, está bem? Eu e o teu pai andávamos muito aflitos por não sabermos de ti, minha filha. Até lembrávamos a Nossa Senhora e S. José à procura do Menino Jesus, em Jerusalém…

 

 

 

Chegados a casa, notou a senhora, muito admirada, que a menina não estava limpa e mandou uma criada dar-lhe banho. Depois do jantar, foram deitá-la num quarto cheio de bonecas e peluches. Andreia sorria deslumbrada como num sonho cor-de-rosa, ao ver-se no meio de tantos brinquedos, qual deles o mais bonito. Mas, ao mesmo tempo, sentia-se triste e saudosa do seu meio ambiente. Os “pais” não eram amorosos e até batiam, às vezes, mas gostava de andar pela rua a vender cestinhos e flores.

 

No dia seguinte estranharam os senhores verem a menina triste, sem vontade de brincar e também de comer à mesa com eles.

 

Levaram-na, então, a passear de carro e compraram-lhe um vestido branco, bordado com rosas e muito bonito. Mas, por mais mimos que lhe dessem, nada a alegrava e satisfazia…

 

Em face de tão estranho comportamento, foi chamado um pediatra particular, que informou os “pais” ter a menina sofrido um abalo emotivo, aconselhando-os a irem com ela passar um período de férias no estrangeiro.

 

Estavam já todos três no Aeroporto, com as malas, quando a criança decidiu contar toda a verdade, - acrescentando ainda:

 

- Eu não vou no avião, porque não sou a vossa filha! Este facto, surpreendente, entristeceu, naturalmente, o casal.

 

Enquanto isso, em casa dos ciganos, a Ana Rita não se adaptava também è vida de pobre e levava pancada se aparecia na tenda sem que tivesse vendido todas as flores e cestos que havia levado para a Praça. De igual modo, não gostava da comida que lhe davam, chegando mesmo a dizer;

 

- Isto é comida para cães!...

 

Profundamente arrependida da iniciativa que tomara, queria ver-se de novo na sua casa e com os seus verdadeiros pais.

 

Naquela tenda existia uma pequena Televisão que o cigano havia roubado numa loja de electrodomésticos. Em dado momento, a Ana Rita viu os pais no Aeroporto prestes a tomarem o avião com destino à Tailândia: um país maravilhoso!

 

Então a criança sai da tenda a toda a pressa, sem que notassem a sua fuga momentânea. Já na rua, manda parar um Táxi, mete-se dentro dele e conta ao motorista o sucedido, indicando que seguisse rumo do Aeroporto.

 

Ali, em correria doida, chama em voz alta pela sua mãe!

 

- Mãezinha! Estou aqui! Sou a Ana Rita!

 

Os pais perante as duas meninas tão semelhantes e ao vê-las tão alegres, recordaram, estupefactos, a tragédia do rapto da sua filha gémea, na Maternidade, que, apesar de tantas diligências policiais, não foi encontrada. E já lá vão mais de oito anos! Agora, a viagem ao Estrangeiro ia ser adiada para outra ocasião, por motivo das formalidades legais.

 

Efectuadas as análises clínicas ao sangue e vários exames, comprovou-se o roubo de Andreia, que aceitou de bom grado a situação e ficou toda contente por se sentir melhor acarinhada e estimada pelos seus verdadeiros pais e mana. Teria de ir estudar e aprender novos métodos de criança rica, mas isso não era problema de maior. Tudo se iria resolver e bem, com professores especiais. Quanto aos ciganos, que confessaram o furto, foram detidos preventivamente, afim de serem julgados e lhes ser dada a punição devida e imposta pela lei vigente.

 

Então, dizia a Ritinha, – muito satisfeita, a sua irmã;

 

- E eu, que não sabia que era gémea de alguém... Os paizinhos nunca me contaram a história do roubo de outra filha! Vês, como deu bom resultado a nossa brincadeira? Sem ela jamais virias para a nossa companhia e continuarias a sofrer na barraca dos ciganos.

 

- Sim, mas tenho pena que fossem para a cadeia – respondeu a Andreia, que era uma criança muito terna e ainda se impressionou com o que aconteceu àqueles a quem sempre tratou por pais.

 

- Não penses mais nisso, Andreia. Qualquer dia eles saem da cadeia e nós vamos à Tailândia – disse-lhe a Ritinha, com o fim de ver a mana mais animada, - acrescentando ainda: - Um dia destes, havemos de ir vê-los à prisão e levamos-lhe bolos…

 

 

 

As crianças, com a sua ingenuidade e bondade, são a coisa melhor do mundo! Pena é que os adultos não lhes sigam o exemplo – atentamente – os seus sentimentos magnânimos, - e, tantas vezes, as façam sofrer cruelmente.

 

 

 

Dias depois, os jornais diários traziam a notícia com a fotografia das duas irmãs gémeas, transbordando felicidade, a abraçarem-se no meio dos seus pai, mais felizes, evidentemente, por terem recuperado a sua outra menina, a qual iria ser registada com o lindo nome de Maria Inês.