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À BEIRA DO RIO CEIRA

Blogue iniciado pela autora, Clarisse Barata Sanches, a exímia poetisa de Góis, falecida a 25 de dezembro de 2018. Que permaneça intacto em sua homenagem.

À BEIRA DO RIO CEIRA

Blogue iniciado pela autora, Clarisse Barata Sanches, a exímia poetisa de Góis, falecida a 25 de dezembro de 2018. Que permaneça intacto em sua homenagem.

CIRCO MARIA ALICE

28.09.09, canticosdabeira

MURMÚRIOS DO CEIRA

 

XIII

 

CIRCO MARIA ALICE

 

Muito vale quem sabe mandar. C.B.S.

 

 

O caso passou-se há anos numa vila Beiroa, no seio de uma família rural que possuía um pequeno comércio, Família esta, constituída por um casal de meia idade, Margarida e João, uma filha jovem de nome Maria Francisca e um filho moço também, chamado Victor Manuel. Porque viuvou cedo, morava com eles o Sr. António Bento, pai da senhora Margarida e ainda uma sobrinha desta a Maria Alice que ficara órfão de mãe e o pai se havia ausentado para parte incerta. Constava que fora para o Brasil e não mais se lembrou da filha que deixou, ainda pequena, com os tios.

A casa onde residiam estava distanciada da loja cerca de trezentos metros e sempre que era preciso ir lá buscar alguma coisa, a Maria Alice logo se prontificava a ir executar esta tarefa. Chegada lá, não se continha sem ir à seira dos figos secos e deliciar-se com uma mão cheia deles.

 

Num certo Domingo, em que chegou a casa com um garrafão de vinho, a prima e o avô notaram que ela deixou cair alguns figos no chão. Receando dar nas vistas, não quis baixar-se para os tomar.

Então, como andava descalça, disfarçou apanhando-os com os dedos dos pés, e um a um os ia colocando no bolso do avental…

A Prima Maria Francisca viu e calou-se… mas o avô não se conteve sem dizer Ó rapariga, tu eras boa para trabalhar numa Companhia de Circo. Tens uma habilidade espantosa para colher figos do chão. Com os dedos dos pés… Coitada, ficou vermelha como um tição… Mas a prima, que era confidente e amiga – logo atalhou:

- O avô não deixa passar nada em falso… mas fique sabendo que, talvez ela vá seguir essa profissão. Tem muito jeito para representar e os artistas do Circo, que estão no Parque do Castelo a trabalhar, já lhe fizeram um proposta nesse sentido.

- É verdade, Maria Alice, o que está a contar a tua prima? Tu tem juízo e não te metas com palhaços… Tens que me respeitar, porque eu estou a fazer as vezes do teu pai, que nem sabemos dele – volveu o avô, já muito arreliado.

- É certo, meu avô, os donos da Companhia, sabendo que eu canto bem, já me perguntaram se eu queria ir lá empregar-me, dizendo que me pagariam conforme eu merecesse… Apesar de gostar muito de teatro, não penso, por enquanto, nesse modo de vida. Também não sei fazer comédias e tenho medo de cair do trapézio… de princípio seria só para vender os bilhetes e cantar.

- Não queremos que andes a falar com palhaços, está bem? Lembra-te, que tens só dezasseis anos e que és ainda muito nova para saberes o que melhor te convém – recomendou o avô, novamente.

Entretanto, apareceram os tios que também a repreenderam, por ela andar a dar confiança a essa gente do Circo, que são saltimbancos e andam de terra em terra como os ciganos.

 

Dias depois, a Companhia abalou daquela vila para outra localidade, mas o jovem comediante teimava em escrever à Maria Alice, até que, daí a um ano a convenceu a fugir de casa dos tios, que ficaram muito desgostosos; participaram à polícia e foram em busca do seu rasto, Ela apareceu-lhes, mas recusou-se a regressar a casa, alegando que todos a tratavam muito bem. Perceberam os tios e ela confirmou que gostava do rapaz do Circo, tendo por amiga uma sua irmã, admirável trapezista da Companhia. Nem a prima foi capaz de a convencer a voltar e conformava assim os pais:

- Todos temos de cumprir a nossa sina e a dela será esta. Quem sabe? Poderá, mesmo, vir a ter sorte na vida. Ela tem já dezassete anos e meio e é muito inteligente, como sempre disse a nossa professora primária. Acho bem que venha a casar-se, fazendo um casamento religioso e bonito, tal como eu aspiro também. Para nosso descanso, ela confidenciou-me que o matrimónio deveria efectuar-se daqui a uns meses.

Mas os pais e o avô, é que não podiam levar à paciência que a sobrinha e a neta se envolvesse com gente de teatro e mais com palhaços de Circo.

A Maria Alice, possuidora de um bondoso coração e de uma inteligência invulgar, era uma bonita rapariga de cabelo às ondas, muito jeitosa e tinha uma voz maravilhosa! Decorava os textos com muita facilidade e sabia cativar e encantar o público.

Após dois anos a trabalhar ali, a Companhia tomou o nome de “Circo Maria Alice” e sempre de “vento em popa”… É que a moça deu muita alma ao Circo e veio a casar com o filho do proprietário da Companhia: - o Carlos Alberto que ela amava desde o primeiro momento que se viram, tendo ele cumprido com a sua promessa de dar-lhe o nome de esposo.

Nesta altura, tinham já muitos animais domesticados e amestrados, porquanto o Circo tornou-se mais interessante e famoso, chegando esta informação ao conhecimento da família, que também vivia agora bastante melhor economicamente e desejava ver a Maria Alice, sem ser só nos jornais… Sim, porque era já falada no País inteiro e até no estrangeiro.

Viviam bem, por que o senhor António Bento aconselhou a filha a abrirem um buraco na cozinha velha, onde estava uma mó de um moinho, dizendo muitas vezes:

- Vocês não acreditam, mas debaixo desta pedra redonda está uma panela de libras de ouro. Abram um buraco, mas não digam nada a ninguém… Quando os franceses por aqui passaram, muitas pessoas esconderam o ouro no chão da casa e nos quintais. É que eles pilhavam tudo, sem respeito por ninguém e nem pelos templos sagrados.

Tanto insistiu o senhor António Bento, batendo com a bengala na dita pedra, que eles resolveram de noite, abrir o buraco, aceitando a ideia luminosa do velhote. E, na verdade, lá estava a “mina de ouro”!

Foi um delírio naquela ocasião… com a família toda a levantarem a grande panela das libras a brilharem douradas! De um momento para o outro, ficaram ricos. O filho desenvolveu o negócio e à filha surgiram bons pretendentes para casar, mas ela, ao contrário da prima, não era namoradeira.

Num belo dia, um casal elegantemente vestido, bateu à porta daquela nova moradia. Era a Maria Alice e o Carlos Alberto, seu marido, o tal artista bonito, alto e moreno, que a entusiasmou a sair de casa dos tios e se apaixonara também, quando do primeiro encontro. Estavam radiantes e felizes e foi graças a ela, que o Circo progrediu muito. A Maria Alice vinha um pouco acanhada, mas, como foi bem recebida por toda a família, abraçou-os com muita alegria, dizendo, então, para o seu avô, sorrindo:

- Vê, como a sua neta, que tão cedo aprendeu a fazer truques… colhendo os figos com os dedos dos pés, se tornou uma artista e fadista de fama? Sabe? Agora ando a aprender ilusionismo. O meu marido é um craque nessa arte e quer que eu aprenda também.

- É certo, Maria Alice! Sempre te considerei uma moça de muita agilidade. Saíste è tua avó que Deus lá tem e era uma mulher muito esperta. Acho-te até muito parecida com ela, Estou contente por te ver bem acomodada na vida.

- O avô ainda foi mais habilidoso do que eu, que adivinhou – como bruxo – que eu dava para artista e acertou em cheio, onde estava a panela das libras… – lembrou a neta.

- Sim, tive um palpite bom, mas cheguei a andar descontente por não quererem acreditar-me. E queres saber, Maria Alice, eu havia sonhado que existia na casa um tesouro.

A prima Maria Francisca – perguntou-lhe, baixinho. – És feliz, Maria Alice?

- Muito. O Carlos Alberto não pode ser mais meu amigo. Deus queira que venhas a ter a mesma sorte no Amor – volveu a prima.

O tio João, também, não se ficou sem dizer:

- Deste-nos grande arrelia, “minha marota”, mas, graças a Deus, tudo acabou em bem. Ao que ouço dizer, o “Circo Maria Alice” é algo de importante, pelo que estou ansioso por te ver actuar ante o público e as crianças a baterem palmas.

- E há-de ver se Deus quiser – disse o Carlos Alberto, que convidou a família para irem confraternizar todos num bom Restaurante. A Maria Alice tinha já carta de condução, mas quem guiava agora o lindo e bom automóvel que trouxeram, era o Carlos Alberto,

Depois desta conversa, eis que chega a tia Margarida com doze moedas lindas e exclama em voz alta:

- Toma, Maria Alice, e vende-as para comprar algumas jóias; sei que não precisas, mas quero que fiques com uma recordação do avô, que foi o autor da nossa felicidade!

 

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